Há 49 anos, no dia 1º de agosto, nos despedimos do Frei Carlos Vicuña Murguiondo, OSA, grande promotor da obra educacional dos Agostinianos que vieram da Espanha para o Brasil.
A obra empreendedora de Frei Carlos Vicuña continuou através da dedicação, espírito abnegado e trabalho determinado dos religiosos que permaneceram no Brasil, destacando-se o trabalho desenvolvido na educação, tornando-se o Colégio Santo Agostinho um ponto de referência de educação humano-cristã integral, formação cidadã, com espírito crítico, visão atualizada e arrojada e compromisso social. Foi Comissário Provincial em dois períodos: 1933 a 1936 e 1936 a 1940.
Frei Carlos Vicuña tinha um temperamento aberto e jovial, de caráter firme e determinado, espírito colaborador, entusiasta e empreendedor, sempre disposto a ajudar. Conquistava a simpatia de todos com os quais se relacionou ao longo de sua vida quase octogenária.
Em 1972, aos 78 anos de idade, faleceu no Real Colégio Alfonso XII, em decorrência de uma complicação cardíaca, motivada pelo diabetes.
Confira o texto do Frei Luiz Antônio Pinheiro, OSA, publicado na edição nº 79 no jornal Inquietude impresso (março a setembro de 2012), por ocasião dos 40 anos de morte de Frei Carlos Vicuña (1972-2012):
A Província Agostiniana Matritense (1895), oriunda da missionária Província das Filipinas, sempre trouxe consigo, de alguma maneira, o germe missionário. A ocasião propícia para esse deslanchar deu-se quando da passagem pelo Escorial de um sacerdote galego que trabalhava no Brasil e que falou com tanto entusiasmo de seu trabalho, a ponto de despertar nos Superiores o desejo de abrir uma missão. Outro motivo foi premido pelas circunstâncias históricas em que vivia a Província naquele momento.
Preocupados com a situação da Espanha naqueles finais dos anos 1920, os Superiores da Província Matritense resolveram enviar alguns jovens religiosos para o Brasil, no período 1929-1933, com o intuito de salvar as vocações, diante da catástrofe que se avizinhava, com a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Fr Carlos Vicuña com Freis no Mosteiro do Escorial
Nos primeiros tempos, 1929-1935, foram abertas casas e assumidas várias atividades nas cidades de Valença e Rio de Janeiro (Estado do Rio de Janeiro); Rio Preto, Belo Horizonte, Bom Sucesso, Andrelândia, Cataguazes, Cardoso Moreira, Pirapetinga (Estado de Minas Gerais); Boa Esperança, Nova América, Dobrada (Estado de São Paulo) e uma fundação no Uruguai e Argentina.
Desde o início, os frades se dedicaram à atividade paroquial e educacional em cidades dos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. O grande sonho era abrir um colégio num grande centro, para a educação da juventude.
Este sonho realizou-se com o Colégio Santo Agostinho em Belo Horizonte - MG. Inicialmente a comunidade religiosa estabeleceu-se num prédio à Avenida Olegário Maciel, esquina com R. Tupis, onde funcionou o primeiro Colégio Santo Agostinho, em 1934. Posteriormente estabeleceu-se no local onde se encontra hoje o Colégio Santo Agostinho, unidade de Belo Horizonte. A antiga capela do colégio foi transformada em 1961 na Paróquia N. Sra. da Consolação e Correia, destacando-se hoje como uma importante paróquia mariana, símbolo do Vicariato Agostiniano Nossa Senhora da Consolação do Brasil, cuja entidade mantenedora é a Sociedade Inteligência e Coração (SIC).
Dentre os pioneiros da “primeira hora”, destaca-se Frei Carlos Vicuña, grande promotor da obra educacional dos Agostinianos do Escorial no Brasil, assim denominados por terem, naquela época, sua sede no famoso Mosteiro de El Escorial, perto de Madri, na Espanha.
Frei Carlos Vicuña nasceu no dia 4 de novembro de 1893 em Idiazábal, na Província de Guipúzcoa, na Espanha. Professou seus primeiros votos como religioso agostiniano no Mosteiro de El Escorial em 1909, onde também foi ordenado padre em 19 de novembro de 1916. Nessa época começou seu trabalho docente, ao mesmo tempo em que prosseguia seus estudos civis, licenciando-se em Física e Química, pela Universidade de Barcelona (1927). Foi professor nos colégios Santo Agostinho em Madri (Rua Barco/Valverde) e Real Colégio Alfonso XII (El Escorial); diretor da revista Alfonso XII (1929-30).
O regime da República espanhola colocava obstáculos para o ensino por parte da Igreja. Dessa maneira, Frei Carlos viu-se impedido de desenvolver seus talentos de educador, partindo então para a Argentina em 1931. Em setembro de 1933 era destinado ao Brasil, como Comissário Provincial das casas do Brasil e Argentina, com residência no Brasil. Nesse momento ele poderá demonstrar seus dotes empreendedores e capacidade organizativa: sob seu mandato foram assumidas quatro novas paróquias e iniciou-se a construção do novo Colégio Santo Agostinho, na capital mineira, em 1934.
Naquele momento, o Brasil ganhava sua terceira Constituição, a qual favorecia amplamente a atuação da Igreja Católica, de maneira especial na área da educação, das obras sociais e hospitalares, imprensa, difusão das ideias. Contrariamente, na Espanha, a situação complicava-se para a Igreja. Em 1936 explode a Guerra Civil Espanhola, que vai durar até 1939.
A Igreja Católica, identificada com as forças conservadoras, sofreu duros revezes, entre perseguições, destruição de igrejas, conventos, prisão e morte de não poucos religiosos/as e sacerdotes. Do lado revolucionário, comunista, houve também muitas perdas. Famílias, cidades, regiões, uma pátria dividida! É difícil tecer um juízo sereno sobre uma situação tão complexa.
De uma forma ou de outra, todas as congregações religiosas tiveram muitas perdas. Os Agostinianos viram sacrificados 155 frades, 104 dos quais da Província Matritense! Juntamente com outras vítimas, 98 Agostinianos foram beatificados como mártires pelo Papa João Paulo II em 2007. Dentre estes, 64 eram da Província Matritense. Um deles, Frei Manuel Formigo, foi um dos pioneiros da primeira hora no Brasil, onde trabalhou por três meses (set-nov/1929).
Frei Carlos Vicuña encontra-se nesse momento na Espanha, para o Capítulo Provincial de 1936 e passou então por uma série de vicissitudes, como a prisão, trágicos deslocamentos entre Madri e Valência, das quais conseguirá se livrar, numa verdadeira odisseia, com muitas privações e graças à sua sagacidade. Anos mais tarde, ele escreverá, como testemunha ocular dos fatos, um relato dos acontecimentos, registrados no seu livro “Los mártires Agustinos de El Escorial” (1943).
Em 1940, prestes a terminar seu cargo como Comissário Provincial, retorna ao Brasil com uma dura missão: fechar várias casas e obras no país, destinando um grande grupo de religiosos para recompor as comunidades e obras da Espanha. Foram então fechadas várias casas no Brasil e Argentina, permanecendo apenas as casas de Marechal Hermes e Engenho Novo, no Rio de Janeiro e as de Belo Horizonte, em Minas Gerais.
Em 1940 foi eleito Definidor (Conselheiro) e três anos mais tarde Prior Provincial (1943-1946), à frente de uma Província desfeita pela guerra. Sua determinação e iniciativa conseguem reorganizar a Província, com a reativação do seminário, noviciado e a Universidade Maria Cristina, entre outras obras. Tal capacidade, complementada por um conjunto excepcional de qualidades humanas e religiosas, levam-no ao cargo de Assistente Geral da Ordem de Santo Agostinho, no Capítulo Geral de 1947.
Após terminar o mandato como Assistente Geral (1947-1953), retornou à atividade docente nos colégios da Espanha, com o mesmo entusiasmo e energia que conservaria durante toda a sua vida. Essa vida agitada de governo e docência ainda lhe permitiu dedicar-se aos estudos, à pesquisa e publicações, dentre as quais se destacam: “Los minerales en El Escorial”, “Los mártires Agustinos de El Escorial” e uma longa série de artigos nas revistas da Província Matritense.
Frei Carlos Vicuña era dotado de um temperamento aberto e jovial, de caráter firme e determinado, espírito colaborador, entusiasta e empreendedor, sempre disposto a ajudar, o que lhe ganhou a simpatia de todos com os quais se relacionava, as muitas pessoas ao longo de sua vida quase octogenária.
Faleceu aos 78 anos de idade no Real Colégio Alfonso XII, de cuja comunidade era membro desde 1966. Em decorrência de uma complicação cardíaca, motivada pelo diabetes. Era o dia 1º de agosto de 1972.
A obra empreendedora de Frei Carlos Vicuña continuou através da dedicação, espírito abnegado e trabalho determinado dos religiosos que permaneceram no Brasil, destacando-se o trabalho desenvolvido na educação, tornando-se o Colégio Santo Agostinho um ponto de referência de educação humano-cristã integral, formação cidadã, com espírito crítico, visão atualizada e arrojada e compromisso social. Tal atuação conquistou-lhe a respeitabilidade que hoje goza não só em Belo Horizonte, mas também em Minas Gerais e no Brasil.
Na década de 1970 abriram-se novas unidades do Colégio Santo Agostinho, em Contagem e nos bairros Calafate e Cidade Nova. Fechadas as duas últimas, mantiveram-se as unidades de Belo Horizonte e de Contagem, as quais firmaram nas três décadas seguintes (1970-2000), com o compasso da modernidade, a inspiração fundacional da filosofia agostiniana da educação. Recentemente foi aberta uma nova unidade em Nova Lima (2007). Várias obras de caráter socioeducativo, mantidas pelo Vicariato Agostiniano Nossa Senhora da Consolação do Brasil, foram convertidas recentemente em escolas formais: Escola Profissionalizante Santo Agostinho (Barreiro, Belo Horizonte - MG); Escola SIC-AIACOM (Rio de Janeiro - RJ) e Escola Santo Agostinho (Bragança Paulista -SP).
Na comemoração dos 40 anos da morte de Frei Carlos Vicuña (1972-2012), queremos reafirmar que seu sonho e ideal não se extinguiram, pelo contrário, continuam vivos.
Frei Luiz Antônio Pinheiro, OSA
* Fonte: texto do Frei Luiz Antônio Pinheiro, OSA, publicado na coluna Nossas Raízes, do jornal Inquietude impresso, edição nº 79 (março a setembro de 2012).