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dez/22

Teologias do Sul Global: resistência e libertação

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O processo de reflexão da teologia no Sul Global desencadeia vários temas pertinentes ao movimento que é responsável não somente pela teorização teológica, mas também da práxis da teologia voltada à compreensão particular do modo de viver a experiência religiosa nessa realidade local. A impossibilidade de captar o Sagrado de forma absoluta facilita a compreensão do que, principalmente na América Latina, compreender-se-á como a teologia da libertação, menos eurocêntrica e pautada na realidade dos povos daí originários. Trata-se de um rompimento com a hegemonia doutrinal-dogmática da Europa católica e cristã. Por exemplo, a figura idealizada de Jesus Cristo, posta como imperador e rei pelos colonizadores, que assolou a maior parte da história ocidental, ganha uma nova imagem, desempenha Jesus a figura de um libertador; de certo, mais semelhante à proposta do Evangelho.

Seguindo a lógica decolonial, opera-se, então, uma teologia capaz de corresponder aos anseios presentes na realidade de lugares e pessoas que foram e, em certa medida, ainda são subjugados por uma visão imperialista, heteronormativa, masculina, branca e predominantemente cristã. Todavia, é importante notar que tratar da decolonialidade é diferente de descolonialidade, a primeira é um movimento permanente de trazer à tona a diversidade epistemológica do mundo; já a segunda diz respeito ao processo de conquista territorial, ou seja, as mudanças geopolíticas. Nesse contexto de resistência surgem diversos movimentos que analisarão a aplicação teológica, de forma que subvertem a horizontalidade hierárquica de dizer e fazer teologia e a transformam em uma verticalidade hermenêutica onde se reflete em grau de equidade diversas teologias.

Portanto, as teologias abordadas no Sul Global subvertem, de certa forma, o imperialismo europeu de ensinar a teologia, e mais que isso, desenvolvem, a partir do seu lugar de fala, uma perspectiva totalmente nova e particular, dando-lhe novos signos com novos e diversos significados e significantes. Autenticamente é construída uma identidade própria que corresponde aos grupos que foram silenciados por muito tempo pelo modo conservador e fundamentalista de se pensar e difundir a teologia. As novas referências se dão a partir da vivência de cada grupo e de como a figura de Deus, revelada em Jesus Cristo, é vista sob a ótica da libertação dos cativeiros e das amarras sociais, sexuais e políticas. O giro decolonial é justamente essa mudança de perspectiva referencial que se busca dentro das próprias interpretações e da vivência que cada um tem das Escrituras e da estrutura eclesial.

Certo é que a exegese bíblica de um leigo não é a mesma que a de um presbítero ou pastor, por exemplo, pois estes falam de um lugar de privilégio hierárquico; o mesmo acontece com as diversas leituras a partir de lugares de falas diferentes. Imputando aos que não se sentem representados buscar maneiras de se fazerem inseridos no convívio eclesial, e mais que isso, legitimarem um espaço que pertence a toda criatura pensada e feita por Deus. Por isso combate-se a noção de posse da verdade institucionalizada, visto que, dessa forma, é mais fácil manipulá-la para legitimar concepções pessoais. É isso o que ocorreu, por exemplo, para legitimar por muitos anos as colonizações, escravidões de negros e indígenas e a submissão da mulher em relação ao homem.

Emerge, a partir dessas transformações exegéticas, uma cristologia preocupada com essas interpretações que muitas das vezes partem desse lugar de privilégio, utilizado para dominar e silenciar as diversidades humanas de gênero, cor, etnia, cultura etc., tirando de contexto as falas e posicionamentos de Jesus relatados nas Escrituras, para defenderem posturas excludentes, ou seja, uma religião que congrega os iguais, deixando os irmãos que muitas vezes estão inseridos no que comumente se chama “as minorias” de fora. É com essa perspectiva que se pode dizer sobre a importância dessas novas teologias que falam e abordam, não algo novo, mas a partir do chão desses povos que vivenciam uma espiritualidade dentro de sua realidade.

Evidencia-se ainda a mudança na linguagem teológica que parte agora de entender os anseios e as indagações desse povo vítima da desigualdade e que, de certa forma, é refletida dentro da Igreja. A importância das teologias da libertação é o reflexo dessas desamarras epistêmicas e hermenêuticas tradicionais que viabilizaram tanta desigualdade e silenciamento; é necessário, cada vez mais, abordar temas como esse para que o conhecimento rompa o preconceito e consiga iluminar mais pessoas a um despertar intelectual e espiritual, a religião não pode ser mais um mecanismo de propagação de morte e dominação, e isso compreende bem as novas teologias que no Sul Global têm grande ramificação.  

Gabriel Ferreira Bento
Formando agostiniano
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