Artigos

31
ago/22

Sobrevivência e atualidade de Santo Agostinho

Imagem
Imagem

Neste mês de agosto, marcado pela celebração da Festa de Santo Agostinho, a coluna Theos oferece ao leitor um precioso recorte da obra “Agostinho: o homem, o pastor, o místico”, do Pe. Agostino Trapè, sobre a sobrevivência e atualidade do pensamento agostiniano.

Eis o texto:

“Santo Agostinho foi um sedento de Deus e ajuda-nos a buscá-lo, conhecê-lo e amá-lo; foi um apaixonado por Cristo, e ajuda-nos a perscrutar os tesouros da ciência e da sabedoria oculta nele; foi um amante da Igreja, e ensina-nos a servi-la com generosidade, sacrifício, inteligência; foi um grande místico, e ensina-nos a subir ao alto, muito alto, na ascensão interior; amou, estudou, meditou incessantemente a Escritura, e ajuda-nos a compreendê-la, amá-la e nutrir-se dela. Foi um amante da sabedoria. Para ele, a sabedoria não é apenas uma verdade a conhecer, mas um bem a se possuir, o sumo bem; é uma luz que é amor, amor que é bem, bem que é alegria maior do que qualquer doçura.

Agostinho é, pois, filósofo, teólogo, místico e poeta, ao mesmo tempo; e tudo isso em grau eminente. Essas altíssimas qualidades completam-se reciprocamente e criam um fascínio ao qual é difícil resistir. É um filósofo, mas não um frio pensador; é um teólogo, mas também um mestre de vida espiritual; é um místico, mas também um pastor; é um poeta, mas também um polemista. Cada um, por isso, encontra nele algo que o atraia e cause admiração: ou a altura das intuições metafísicas, ou a riqueza e a abundância das demonstrações teológicas, ou a força e a eficácia da síntese, ou a profundidade psicológica das ascensões espirituais, ou a riqueza da fantasia, da sensibilidade, do ardor místico.

A doutrina agostiniana tem por mérito principalmente a multiplicidade dos aspectos e a força da síntese. Lembro alguns pares de termos, aparentemente opostos, mas necessariamente unidos, que servem à construção daquelas grandes sínteses: razão e fé; Deus e o homem; liberdade e graça; Cristo e a Igreja; verdade e amor; amor privado e amor social... Esses binômios são os grandes trilhos sobre os quais se move a cultura ocidental. E para melhor compreender isso basta evocar breves acenos que atestam a presença e a influência do pensamento agostiniano na história e cultura do Ocidente: desde os tempos de Tomás e Boaventura – dois grandes intérpretes, mesmo se em medida diversa, do agostinismo – até nossos dias. Para referir ao pensamento contemporâneo, ainda que se quisesse prescindir dos influxos de Pascal e Kierkegaard, não se pode deixar de constatar a influência agostiniana no existencialismo e espiritualismo de Bergson, Le Senne, Lavelle, Blondel, Sciacca, Guzzo, Carlini, Stefanini; no personalismo de Mounier; no problema dos valores de Scheler; no ser e a verdade de Heidegger...

Sem dúvida, contudo, também em Agostinho, como em todo homem, há limites. O leitor os encontrará provavelmente na erudição que, embora não sendo vulgar, não se movia livremente no mundo da literatura grega; no ardor da polêmica, que não lhe permitia burilar sempre a linguagem; nas diversas maneiras com que se move no mundo das ideias e no dos fatos; na força inexorável da dialética, que, ilustrando uma verdade, parece fazer-lhe esquecer de outra. Esses limites nascem seja da personalidade de Agostinho, que conheceu o tormento e a radicalidade do convertido, seja de sua formação filosófico-teológica, seja também, aliás principalmente, pelo tempo que lhe coube viver.

Agostinho é interessante como homem por seus erros e suas conquistas, seu vagar distante da fé católica e seu retorno a esta fé, sua conversão e as decisões que a acompanharam, seu serviço à verdade reencontrada, à justiça – que está no fundamento da paz social –, à paz, ao bem de todos os homens que almejam aquela cidade, como ele explica, ‘onde a vitória é verdade, onde a dignidade é santidade, onde a paz é felicidade, onde a vida é eternidade’ (Cidade de Deus, II, 29, 2): quatro estupendas equações que revelam o homem Agostinho e o ânimo de todos aqueles que refletem sobre si mesmos. Ele tem, portanto, ainda algo a ensinar: na confusão do geral ceticismo, o método de buscar a verdade; entre as névoas do materialismo dilacerante, a força purificadora da espiritualidade; nas pretensões vazias do racionalismo, a luz da fé; no orgulho do naturalismo, o papel salvífico da graça. A quem defende só a fé recorda a exigência da razão, a quem apela só à razão recorda a necessidade da fé; a quem nega a liberdade recorda sua existência e seu valor, a quem a exalta como único elemento da salvação recorda a necessidade da graça. Interpretando a história a partir da meta-história, colocou as bases para uma civilização do amor.

Esta figura singular de pensador, de pastor, de teólogo, de místico, de poeta - Agostinho é também isso –, descobre-se em seus escritos, nos quais, como diz o primeiro biógrafo, o amigo e discípulo Possídio, ‘os pósteros encontram-no sempre vivo’ (Vida de Santo Agostinho 31, 8).”

Texto recolhido por Frei Jeferson Felipe da Cruz, OSA, da obra: TRAPÈ, Agostino. Agostinho: o homem, o pastor, o místico. São Paulo: Cultor de Livros, 2017, pp. 483-507).

- Publicação: na coluna Theos, do Jornal Inquietude On-line, de agosto de 2022.

Sobre o livro:
Agostinho: o homem, o pastor, o místico, do Pe. Agostino Trapè é considerada a mais completa biografia do Bispo de Hipona. Obra que apresenta Santo Agostinho sob três aspectos da sua rica personalidade: homem, pastor e místico.

+ Mapa do Site

Política de Privacidade
Cúria Provincial Agostiniana Rua Mato Grosso, 936, Santo Agostinho Belo Horizonte - MG, 30190-085 +55 (31) 2125-6879 comunicacao@agostinianos.org.br

Fique por dentro de tudo o que acontece na Província. Cadastre seu e-mail para receber nossa Newsletter.