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09
ago/22

Sobre águas e sedes: por uma mística do desejo

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A água, no conjunto da criação, é um dos recursos naturais mais necessários à vida. Nosso corpo é composto de 70 a 75% de água. É simplesmente impossível viver sem ela. Não bastasse sua importância fisiológica, existe também uma importância simbólica da água. Para diferentes culturas a água é sinal de plenitude de todas as possibilidades, início primordial de todo ser, força de purificação e renovação corporal, psíquica e espiritual, fonte da juventude, fertilidade, vida, eternidade. (cf. BECKER, 1999, p.10-14)

Para o povo de Israel, a água também tinha valor muito especial. Ainda que a caída média de chuva na Palestina fosse suficiente para a agricultura, o país tinha e ainda tem falta de rios, de correntes de água perene e de lagos. A Bíblia demonstra uma clara consciência do valor da água para a vida, e das terríveis consequências da sua falta. Criador das águas do céu e da terra (cf. Gn 1,7-9), Deus era quem regulava sua quantidade e a fornecia (cf. Gn 7,11-12; 8,2-3). Usada abundantemente nos rituais, a água tornava-se símbolo de purificação (Ex 29,4; Lv 8,6; 14,5-7; 16,4-24); desejo de Deus (cf. Jr 2,13), coração temeroso (cf. Js 7,5), conhecimento de Deus (cf. Hab 2,14; Is 11,9).

Da água Deus se serviu ao longo da história da salvação para nos fazer conhecer a graça do Batismo. Já na origem do mundo o seu Espírito pairava sobre as águas, para que elas concebessem a força de santificar. Nas águas do dilúvio os vícios foram sepultados fazendo nascer nova humanidade. A travessia do mar Vermelho a pé enxuto prefigurava o povo nascido na água do batismo. Jesus, batizado nas águas do Jordão, foi também ungido pelo Espírito Santo. E no alto da Cruz, do seu coração aberto, sangue e água jorraram sobre a Igreja nascente. (Cf. Oração sobre a água - Ritual do Batismo)

A água, por sua vez, nos é ensinada pela sede, conforme aponta o cardeal português José Tolentino: “Aos sedentos é útil recordar que há uma ciência da sede. Tomada de um ponto de vista técnico a sede vem caracterizada como um conjunto de sensações internas que a desidratação desperta em nós e que a reidratação repara. É uma definição rápida esta, e que claramente supõe muito mais. Na verdade, quando nos apercebemos de que temos sede, estamos nos beneficiando de uma silenciosa e vital interação dos sistemas fisiológicos de controle do nosso próprio corpo, que se organizam para transmitir-nos essa precisa informação. Ao que parece, num adulto saudável, este mecanismo de alerta é suficiente para fazê-lo procurar um estado de hidratação adequado, mas nem sempre é assim. Tanto a capacidade de detecção da sede como a possibilidade de resposta positiva a este estímulo podem estar alteradas e, até mesmo, diminuídas, expondo a pessoa a riscos de que não se dá conta. Temos sede e não nos apercebemos. De um modo cada vez mais frequente, uma das perguntas que os médicos tendem a universalizar para os pacientes de qualquer idade é esta: “Que quantidade de água você bebe por dia?". E normalmente bebemos menos do que aquilo que devíamos. É uma boa pergunta para transpormos para o plano espiritual. Será que reconhecemos a sede que há em nós? Apercebemo-nos da desidratação que, voluntária ou involuntariamente, nos impomos? Damos tempo para decifrar o estado da nossa secura? A poetisa Emily Dickinson dizia que "a água é-nos ensinada pela sede". São João da Cruz afirmava que podemos beber mesmo na obscuridade porque a nossa sede ilumina a fonte. O que é que a nossa sede nos ensina? Que fonte ela ilumina e esclarece? Será que fazemos da nossa sede uma escola de verdadeiro conhecimento, nosso e de Deus? Ou, pelo contrário, aceitamos viver à míngua de água, procurando mascarar uma sede que não escutamos?” (MENDONÇA, 2018, p. 30-31)

Sobre águas e sede foi aquela conversa, ao meio dia, de Jesus com a samaritana (cf. Jo 4,5-30). Quantas provocações nos faz essa cena do Evangelho! Deixemo-nos provocar pela Palavra!

O encontro de Jesus com aquela mulher rompeu esquemas culturais e religiosos de seu tempo e conduziu-a ao encontro consigo mesma, com sua história, com suas sedes. A cultura do encontro é, pois, remédio para tempos de “globalização da indiferença”, é uma forma de nos comprometermos com a vida, dom do Criador. Com quem temos nos encontrado ao longo do caminho? Como tem sido esses encontros? Quais as nossas sedes?

 Jesus pede água. Toma a iniciativa. Ele sabia que a água daquele poço saciava apenas por fora, não alcançava o coração; era água de poço, parada. Jesus pede água, mas é fonte. De pedinte passa a oferente. Oferece água viva, geradora de vida eterna. Que água temos procurado? Que água temos oferecido?

A mulher samaritana não pode guardar apenas para si o dom daquele encontro, mas esquecendo sua jarra, seu passado, correu até à cidade para anunciar: “Vinde ver...”. Nosso compromisso batismal nos conduz ao apostolado – batizados e enviados – no coração do mundo. Como podemos redescobrir este dom de Deus em nossas vidas? Como despertar-nos a nós e aos outros para uma mística do desejo e do compromisso com a vida?

ORAÇÃO DA SEDE
(MENDONÇA, 2018, p. 153-154)

Ensina-me, Senhor, a rezar minha sede,
a pedir-Te não que a arranques de mim ou a resolvas
[depressa],
mas a amplies ainda
naquela medida que desconheço
e que apenas sei que é a tua!

Ensina-me, Senhor, a beber da própria sede de Ti
como quem se alimenta mesmo às escuras
da frescura da nascente.

Que a sede me torne mil vezes mendigo,
me ponha enamorado e faça de mim peregrino.
Que ela me obrigue a preferir a estrada à estalagem
e o aberto da confiança ao programado do cálculo.

Que esta sede se torne o mapa e a viagem,
a palavra acesa e o gesto que prepara
a mesa onde partilhamos o dom.

E quando der de beber aos teus filhos seja
não porque tenha a posse da água,
mas porque partilho com eles o que é a sede.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECKER, Udo. Água. In: Dicionário de símbolos. São Paulo: Paulus, 1999, p. 10-14.
MENDONÇA, José Tolentino. Elogio da sede. São Paulo: Paulinas, 2018.

Frei Tailer Douglas Ferreira, OSA
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