O Evangelho de João assim narra a aparição de Jesus Ressuscitado aos seus discípulos: “Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas do lugar onde estavam os discípulos, por medo dos judeus, Jesus veio e, pondo-se no meio deles, lhes disse: ‘A paz esteja com vocês’” (Jo 20, 19). A seguir, mostrou-lhes as mãos e os lados; os discípulos ficaram muito alegres. Novamente Jesus lhes transmite a paz. Sopra sobre eles e lhes dá o Espírito Santo, com o poder de perdoar pecados.
Depois da prisão, condenação, tortura, escárnios, morte violenta de Jesus, seus discípulos ficaram arrasados, dispersaram-se, fugiram. Estavam cheios de medo. Quando voltaram a se reunir, ficaram fechados. A noite vinha caindo. Diante dessa situação, era praticamente impossível inventar alguma coisa e sair anunciando...
Pois é exatamente nesse quadro que Jesus se manifesta. Quando se faz noite, há escuridão, medo, fechamento. Quando tudo parece impossível, Jesus vence essas barreiras e se põe no meio.
O evangelista disse que aquele era o primeiro dia. Na liturgia pascal, nós cantamos: “Este é o dia que o Senhor fez para nós. Alegremo-nos e nEle exultemos!” (Sl 118,24). A Páscoa é sempre para os cristãos o novo e primeiro dia, de recomeçar sempre, jamais perder a esperança. Onde Jesus está presente, os sinais de Páscoa se realizam e novamente há luz, paz, alegria, perdão, coragem.
Recentemente, nossos bispos enviaram uma “Mensagem ao povo brasileiro”, uma “mensagem de fé, esperança e corajoso compromisso com a vida e o Brasil”. Em sua mensagem, os bispos recordaram sinais pascais que se realizaram durante o período da pandemia e desastres ambientais: “explosão de solidariedade”, partilha de alimentos e espaços, assistência a pessoas solitárias, dedicação incansável de profissionais da saúde, importância e eficácia do SUS, a acolhida em massa da população para vencer o descaso e o negacionismo, cuidado das famílias e educadores com crianças, adolescentes, jovens e adultos. Em meio à escuridão da perda de mais de 660 mil pessoas, houve solidariedade com as famílias enlutadas e também não faltaram as preces para elas e os entes queridos que partiram.
Os bispos constatam também trevas, medo, desânimo: “O quadro atual é gravíssimo. O Brasil não vai bem!”. E denunciam a crise sanitária, crise ética, econômica, social e política, que já vinha bem antes da pandemia e, com ela, se agravou. Aumentou a desigualdade, as crises foram acentuadas: aumento do desemprego, da fome, insegurança alimentar; ações criminosas de exploração e degradação dos ecossistemas, desrespeito com os direitos dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, com consequências principalmente para os pobres. Tudo isso leva a mais violência, além das guerras, feminicídio e tantas outras mazelas. Sem contar a lógica do confronto entre os poderes da nação, que ameaça o estado democrático de direito e suas instituições; o desmonte da conquista e direitos consolidados, o ódio nas redes sociais.
Por isso, os bispos, uma vez mais, conclamam o povo brasileiro a revigorar com fé, coragem e esperança nossa presença pascal no meio da sociedade, com ações como: o exercício da cidadania, a consciente participação política, capaz de promover a “boa política”, como diz o Papa Francisco, votar com consciência e responsabilidade em candidatos comprometidos com a defesa integral da vida. Encorajam as organizações e movimentos sociais a continuarem se unindo em mutirão pela vida, especialmente por terra, teto e trabalho. E convidam a todos, como “irmãos e irmãs, particularmente a juventude, a deixarem-se guiar pela esperança e pelo desejo de uma sociedade justa e fraterna”.
Onde Jesus Ressuscitado está presente, acontecem passagens. Sejamos, pois, sinais pascais.
Frei Luiz Antônio Pinheiro, OSA
Prior Provincial
- Texto publicado na coluna Reflexão, do Jornal Inquietude On-line, edição abril/maio de 2022.