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06
jan/22

ANO NOVO, VIDA NOVA… SERÁ MESMO?

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Na passagem do ano, quase que invariavelmente as pessoas fazem bons propósitos para o novo ano. Desejos, sonhos, promessas que, em boa parte, serão silenciados, abandonados, esquecidos pela voragem do cotidiano, afazeres, compromissos.

Viramos o ano com o fantasma da Covid-19 rondando, agora com outras variantes. Começamos a conviver com a necessidade de mais uma vacina anual, para todos, adultos, idosos, crianças. A expectativa da vacinação das crianças descortinou um horizonte de esperanças. Mas o negacionismo da mais alta autoridade do país nos faz repetir a cada pronunciamento, e diante de tantos outros descasos e fake news, o estribilho da música de sucesso de 1987 da banda Legião Urbana: Que país é este?

Nem bem entrou janeiro, e as chuvas torrenciais nos lembraram a profecia bíblica de que Deus “faz o sol nascer para bons e maus, chover sobre justos e injustos” (Mt 5,45).  Aguçaram a consciência de “quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir” (Dt 29,4) acerca do paradoxo da vida: chuvas benfazejas para a renovação da terra, a lavoura e os reservatórios; chuvas destruidoras de casas, estradas, cidades.

Ano de eleições, com campanhas, novas promessas, expectativas: se mudar vai melhorar; nada vai mudar! Alianças, articulações, opiniões divididas, polarizações, memória histórica curta... preparemo-nos para a invasão do marketing robótico nos celulares, WhatsApp, computadores... forças ocultas que desafiam nossa capacidade de filtrar e processar informações, formar opinião, ter lucidez para a tomada de decisões.

Diante do ano novo recém-nascido que já aparece calejado pelas intempéries da realidade, podemos ficar de longe, observando, para ver o que vai acontecer, na ilusão de que as coisas vão se resolver por si mesmas. Ou, talvez, buscar um refúgio na rotina das atividades de sempre como se nada disso nos afetasse ou fosse de nossa responsabilidade. Ou mesmo, de forma maniqueísta, separar a sociedade entre bons e maus, os outros e nós, e nós, normalmente, somos os bons.

Ao invés de ver o ano novo, a vida nova, como algo exterior, que acontece e se resolve por si mesmo, há uma interioridade da vida, do tempo, da história, que está ao nosso alcance: “vivam bem e com uma vida boa, mudem os tempos... mudem as pessoas e os tempos serão melhores!” (Santo Agostinho, Sermão 311,8,8). Numa mensagem aos agostinianos, o Papa Francisco renovou o convite a sermos “mestres de interioridade”.

Interioridade, no pensamento genuíno de Santo Agostinho, não significa intimismo, psicologismo ou voluntarismo. A interioridade é o espaço da inteligência e do coração, a partir de onde, com o amor bem orientado, podem-se promover grandes mudanças. O encontro consigo mesmo não é um escapismo da realidade, mas é o caminho da liberdade e da responsabilidade, que gera compromisso e solidariedade, pois “na pessoa interior habita a Verdade” (Santo Agostinho, A verdadeira religião 39,72).

O ano não será novo, a vida não será nova, se não retornarmos a esse começo (ab ovo... novum) que somos nós mesmos. O mundo talvez não possamos mudar, mas a nós mesmos sim. Ano novo, vida nova! Serão mesmo novos se nós formos novos. Portanto, “vinho novo em odres novos” (Mt 9,17) e então teremos, de fato, ano novo e vida nova. Um feliz e abençoado Ano Novo para todos os corações inquietos!

Frei Luiz Antônio Pinheiro, OSA
Prior Provincial

*Texto publicado na coluna Reflexão, do Jornal Inquietude On-line, em janeiro de 2022.

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