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30
set/22

Na partilha da vida, o que importa é a consciência do que somos

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Em uma missa dominical, ao refletir sobre a parábola do Rico e de Lázaro posta pelo evangelista Lucas, perguntei para uma assembleia, majoritariamente formada por crianças, quem se achava uma pessoa egoísta. No meio de toda grei, um menino alçou a sua mão. Todos na igreja deram uma grande gargalhada. Ele disse que se chamava Miguel. Eu perguntei para ele por que trazia na sua consciência que era uma pessoa egoísta. O menino respondeu de forma simples e direta: “É muito difícil dividir o que temos o tempo todo”.

Na verdade, ele tem razão. Ser quem somos chamados a ser é difícil. A abertura para partilhar a vida, seja os bens materiais, seja os espirituais, é um exercício contínuo. Isso já era apontado por Agostinho de Hipona em seus escritos. E, por isso, para ele, a prática da partilha da vida passa pela consciência humana. Ainda que fujas do campo para a cidade, ou da rua para tua casa, tua consciência vai sempre contigo. De tua casa só podes fugir para teu coração. Porém, para onde poderás fugir de ti mesmo?” (Santo Agostinho in Comentário aos Salmos 45, 3). A maneira com a qual nos organizamos para viver as realidades do mundo começa dentro de nossa própria consciência sobre aquilo que vemos, sentimos e desejamos. Estar com o outro – e consequentemente com Deus – exige de nós uma constante reflexão de quem somos e como devemos agir diante de um mundo que espera sempre uma atitude de cada um de nós.

“Por fora os homens se afeiçoam a seus próprios feitos, enquanto abandonam dentro de si Aquele por quem eles mesmos foram feitos.” (Santo Agostinho in Confissões 10, 33). A busca pela interioridade passa a ser um exercício da consciência humana que se percebe pequena diante de toda a criação. Por isso, a pergunta constante é: como devemos viver em plenitude o que Deus espera de cada um de nós? Somos feitos à imagem e semelhança de Deus. E viver neste mundo é muito mais do que termos bens materiais. É sermos um bem para todos aqueles que encontrarmos em nossa história.

A consciência de si, de Deus e do mundo deve nos motivar a constante partilha do bem maior que podemos ser para aqueles que convivem conosco. A partilha não está nas coisas em si, mas na capacidade de refletirmos, desde o nosso interior, as verdades postas por Deus dentro do nosso coração. E que, supostamente, nos fazem desejar dividir com todos os seres humanos. “Conservas o que tens dentro, e não terás de temer nada de fora.” (Santo Agostinho in Comentário aos salmos 35, 17).

Dessa forma, o menino Miguel tinha razão, pois “dividir o que temos o tempo todo é difícil”. Contudo é necessário. E quando falamos daquilo que trazemos dentro de cada um de nós: partilhar é imperioso. Talvez, trazer à consciência a experiência do que somos – e o que conseguimos refletir sobre nós mesmos – possa ajudar na partilha da vida com a humanidade. Como Santo Agostinho nos recorda no seu Sermão 23, 3: “Não andes averiguando quanto tens, mas o que tu és”. Esse pode ser o princípio de um exercício que não nos faça fixar o olhar na dificuldade da partilha, mas na facilidade que deveria sermos nós mesmos nas relações interpessoais de confiança e liberdade que construímos ao longo dessa caminhada rumo à Pátria Celeste.

Frei Arthur Vianna Ferreira, OSA

- Artigo publicado na coluna Fala Agostinho, do Jornal Inquietude On-line, edição de setembro de 2022.

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