Dias atrás, nasceu Rafael: filho de um migrante sazonal, trabalhador da lavoura de café, e de uma jovem, técnica em Enfermagem, agente comunitária de saúde. Como disse Guimarães Rosa, porque uma criança nasceu, o mundo tornou a começar. Tornou a começar pela potência das possibilidades.
Em dias próximos ao do nascimento de Rafael, a centenas de quilômetros de distância, uma mulher, mãe de dois filhos, foi socorrida, vítima de um AVC. A potência das possibilidades na criança recém-nascida contrasta com a fragilidade de uma mãe golpeada por um acidente vascular. Potência e fragilidade, o paradoxo do mundo que, embora recomece, estará sempre já começado.
Um mundo de contrastes: é nele que estamos. Mundo, vasto mundo...
Um mundo regido pela Inteligência Artificial (IA) e o avanço das tecnologias, especialmente daquelas ligadas à comunicação.
Um mundo que, apesar desse avanço, se debate com o horror da guerra. A guerra que, além de encharcar de sangue a terra, conserva as pisadas, também rubras, dos milhares de migrantes que se veem forçados a partir.
Um mundo que ouve, imóvel, o gemido e o choro da criação; onde um país inteiro se comove em solidariedade pontual com um estado submerso pelas chuvas, mas que não consegue converter os hábitos em solidariedade e consciência, verdadeiramente ecológicas.
Neste mundo, uma tribo indígena, nas proximidades de Belo Horizonte/MG, está ameaçada pela empresa responsável pela tragédia crime de Brumadinho; e resiste!
Neste mundo, a comunidade LGBTQI+ lotou a Av. Paulista, em São Paulo/SP, com a 28ª edição da “Parada”, defendendo, legítima e orgulhosamente, seus direitos. E o Papa, desavisado ou inocente, dias antes, reclamou e se opôs à “bichisse” nos seminários, ignorando, talvez, a realidade.
Neste mundo, a geração das “Diretas já” se vê desafiada a conviver com a “geração do quarto”.
Neste mundo, a Igreja Católica sofre uma “contrarreforma/contra si mesma” capitaneada por grupos tradismáticos.
Neste mundo, a educação católica se vê questionada em sua identidade e oferta pelos grupos ultraconservadores fundadores das “verdadeiras escolas católicas”.
Neste mundo, um grupo de jovens, advindos dos diversos espaços apostólicos da Província da Consolação, celebraram, entre morros no Rio de Janeiro/RJ, um encontro profeticamente amistoso.
Neste vasto mundo, de contrastes e tensões, a vida está a pulsar e a acontecer...
E toda vez que uma criança nasce, o mundo torna a começar... em possibilidades...
Periferias existenciais, geográficas e sociais; crise ambiental e climática; guerras; relações intergeracionais; tensões eclesiais; ameaça aos povos originários; avanço da tecnologia e inteligência artificial; migrações forçadas; crises nas instituições (incluídas as de educação católica e a própria igreja); luta pelos direitos e respeito às diversidades; desafio das juventudes...
Neste mundo, vasto mundo, feito de grandes e pequenos fatos (todos relevantes), estamos nós: a Província da Consolação.
E agora?
Frei Jeferson Felipe Cruz, OSA
*Crônica elaborada e apresentada por Frei Jeferson Felipe Gomes da Silva Cruz, OSA, na abertura da 9ª Assembleia Provincial, celebrada entre os dias 3 e 7 de junho de 2024, no Retiro das Rosas, em Cachoeira do Campo/MG. E publicada na coluna Pé no Chão, do Jornal Inquietude On-line, edição de junho de 2024.
CONTATO