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mai/25

Leão XIV e Agostinho: da admiração à continuidade espiritual

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No início de 2025, fomos surpreendidos por dois acontecimentos igualmente relevantes para a história do cristianismo contemporâneo: a morte do Papa Francisco e a escolha de seu sucessor, o Cardeal Dom Robert Francis Prevost, pertencente à Ordem de Santo Agostinho. Com Francisco, perdemos a figura de um Papa que entra para a história por sua humanidade, por seu desejo de fraternidade e justiça com os mais vulneráveis — especialmente com as duas extremidades do ciclo da vida: a infância e a velhice. Sentiremos saudades de seu sorriso largo, de sua vontade de abraçar o mundo e de suas palavras diretas, por vezes desconcertantes, clamando pela paz no mundo. Assim como o seu chamado para que nos importemos, verdadeiramente, com a presença de Cristo que se manifesta no irmão que sofre. Adeus, suas palavras continuarão ressoando em nossos corações, Francisco.

A eleição do Papa Leão XIV — nome escolhido pelo Cardeal Prevost ao assumir a função de bispo de Roma e, com isso, a liderança da Igreja Apostólica em todo o mundo — representa não apenas a continuidade de uma tradição apostólica, mas também a renovação de um ideal pastoral profundamente enraizado na espiritualidade de Santo Agostinho. O novo Papa assumiu essa identidade já em seu primeiro discurso, ao afirmar: “Eu sou um filho de Santo Agostinho. Agostiniano.”.

Para Agostinho de Hipona, a figura do bispo é marcada por uma tensão entre a graça recebida e a responsabilidade assumida. Ele reconhece que o cargo de superior é, antes de tudo, um dom de Deus, mas também um peso que exige vigilância, humildade e serviço. “Nós, de fato, que vocês veem nesta dignidade que nos fará prestar uma conta formidável e onde o Senhor nos colocou por bondade e não por causa de nossos méritos, temos dois títulos: o de cristãos e o de bispo. O título de cristãos é por nós, e o de bispo é por vocês. O de cristão tem em vista o nosso benefício, e o de bispo, o benefício de vocês.” (Sermão de Santo Agostinho 46, 2)

Essa reflexão sobre o ser cristão e o ser bispo é essencial para compreender o espírito com que Leão XIV inicia seu pontificado. Ele não se coloca acima do povo de Deus, mas no meio dele, como servidor da fé e da unidade. O Papa, como bispo de Roma e sucessor de Pedro, carrega o peso de uma missão que não é sua por mérito, mas por chamado divino. Como Agostinho de Hipona, Leão XIV sabe que sua autoridade não é autônoma, mas mediada por Deus, que fala e age por meio de seus ministros e da história do povo de Deus. “Vocês devem dar graças a Deus, se eu conseguir me explicar de maneira que vocês compreendam bem. É a Ele, de fato, que vocês devem agradecer, já que é Ele que dá a vocês o que nós distribuímos e que não vem de nós.” (Sermão de Santo Agostinho 87, 5)

Essa consciência de ser instrumento da graça é o que torna o ministério papal verdadeiramente fecundo. Leão XIV, inspirado por Agostinho, compreenderá que sua missão não é impor, mas propor; não é dominar, mas servir. Ele é chamado a ser o eco da Palavra de Deus, não sua origem. Por isso, sua primeira atitude deverá ser a oração. E, para nós, agostinianos, a oração é o fundamento da busca por interioridade, fraternidade e da ação pastoral. É na intimidade com Deus e na busca interior que reconhecemos como somos. É sobre essa reflexão feita ao longo da vida que os religiosos agostinianos encontram a luz para guiar o rebanho, assim como a força para suportar os desafios do caminho.

Assim, o novo Papa, de formação agostiniana, é chamado a ser aquele que admoesta, que exorta, que convida todos à comunhão com Cristo, o único e verdadeiro Pastor. “Eu peço a vocês, eu exorto vocês, pela santidade dessa núpcia sagrada: amem esta Igreja, perseverem nesta Igreja, sejam tal como esta Igreja. Amem o Bom Pastor, o noivo tão belo que não engana ninguém e que não quer a morte de ninguém. Rezem também pelas ovelhas desgarradas. Que elas retornem, que reconheçam e amem a Verdade, para que haja um só rebanho e um só Pastor.” (Sermão de Santo Agostinho 138, 10)

Leão XIV assume, portanto, o desafio de ser esse pastor que une, que busca os afastados, que constrói pontes e não muros. Seu pontificado se inicia com um forte apelo à unidade, à busca da paz comum e da justiça social, à escuta da Palavra e à oração como caminho de comunhão. Ele se apresenta como aquele que deseja conduzir a Igreja não com o peso do poder, mas com a leveza do amor evangélico. Inspirado por Agostinho, ele sabe que a verdadeira autoridade nasce do serviço, e que o verdadeiro governo é aquele que se faz em nome de Cristo, o Pastor que dá a vida por suas ovelhas.

A relação entre Leão XIV e Santo Agostinho, portanto, não é apenas de admiração, mas de continuidade espiritual e de serviço ao povo de Deus por meio da Igreja Romana espalhada pelo mundo. O novo Papa encarna, em seu tempo, os mesmos princípios que orientaram o bispo de Hipona: humildade no exercício da autoridade, fidelidade à Palavra de Deus, centralidade da oração, luta pela justiça social e compromisso com a unidade da Igreja. Em tempos de desafios e fragmentações, Leão XIV se propõe a ser sinal de esperança, pastor que escuta, guia e ama, à imagem do Bom Pastor que é Cristo Jesus — como tão bem nos ensinaram os escritos deixados por Agostinho de Hipona. Sê bem-vindo à história da caminhada do povo de Deus, Leão XIV.

Frei Arthur Vianna Ferreira, OSA
Artigo publicado na coluna Fala Agostinho, do Jornal Inquietude On-line, edição de maio de 2025.

Imagem: Celebração na Paróquia Nossa Senhora da Consolação e Correia, de Belo Horizont/MG, em homenagem ao Papa Leão XIV

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