Atrevo-me a tentar fazer uma ponte entre dois pensadores que, num primeiro momento e em vários pontos, entendem a vida de formas muito distintas. De fato, um está fora da Igreja, num sentido estrito, e o outro é nossa referência espiritual na caminhada cristã.
Bom, com Jean-Paul Sartre, filósofo francês do século XX, vemos que cada ser humano é livre para criar o seu caminho. Cada um deve escolher constantemente o que fazer com sua vida. Não escolher também é uma escolha. Ajudar uma pessoa ou não é uma escolha. Deixar de tomar posição em alguma situação também é uma escolha. E isso não está longe dos escritos de São Paulo: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). E nossa liberdade é também responsabilidade: “Se eu não tiver amor, nada sou” (1Cor 13). O amor, segundo São Paulo, é caridade, é entrega de si, é doação da vida em prol de nossos irmãos e irmãs.
Essa entrega de si também é afirmada pelo filósofo francês quando diz que somos responsáveis por criar o mundo que queremos e acreditamos. Segundo as Escrituras, vivemos um “já e um ainda não”, ou seja, vivemos pela fé aquilo em que acreditamos, mesmo sem sabê-lo às claras (1Cor 13,12). Para Sartre, também devemos lutar por aquilo que acreditamos ser o melhor para todos, mostrar aos outros o que vemos que precisa ser melhorado, sem medo de mostrar as nossas incoerências, a nossa falta de claridade do que é a vida, pois somos da Verdade, da Luz (1Ts 5,4). Querer mudar o mundo ou criar o mundo que acreditamos também é recriar a nós mesmos, é deixar que outros irmãos e irmãs também mostrem para nós o que elas têm de melhor a oferecer e que às vezes não vemos.
E onde se encontra, nisso tudo, Nosso Pai Santo Agostinho?
Com ele aprendemos a nos guiar por três pilares: a vida interior, a vida comunitária e a vida apostólica.
Na vida interior aprendemos a buscar a Deus, a escutar nossa vocação mais profunda, a ver com os olhos da fé aquilo em que acreditamos. Para isso usamos da oração, dos estudos, da contemplação da vida, com todos os seus dramas e alegrias.
Na vida comunitária percebemos que não somos o centro do universo, mas um entre outros que também buscam viver o projeto de Jesus, através de uma vida partilhada. Sartre diz que “o inferno são os outros”, pois os outros mostram nossas fragilidades; Agostinho, que a vida em comum é um cilício, mas também um bálsamo.
Na vida apostólica, junto com a vida interior e a comunitária, buscamos testemunhar ao mundo a possibilidade de ser imagem da Trindade, que é una, mas também entregue à missão nas suas diferenças e na sua unidade.
Aqueles que buscam seguir o carisma agostiniano escolhem também testemunhar o amor de Deus em comunhão com os outros, mesmo com suas diferenças. Apesar de nossas escolhas, talvez distintas, pedimos a graça de Deus para nos manter com uma só alma e um só coração voltados para Ele, pois, ao fim e ao cabo, é n’Ele que vivemos, existimos e somos (At 17, 28).
Frei Davidson Bertuce de Carvalho Souza, OSA
Fraternidade Agostiniana Pedro Casaldàliga
São Félix do Araguaia/MT
*Artigo publicado na coluna THEOS do Jornal Inquietude On-line, de junho de 2021