Passadas as festas natalinas, a Igreja inicia sua caminhada litúrgica ritmada pelo ordinarismo do tempo. O Tempo Comum, ou Tempo Ordinário, é de fato essa experiência da rotina, do dia a dia que engravida de sentido a vida. A gente sabe bem que as grandes festas são muito boas, mas não só de grandes festas vive a humanidade. Precisamos muito, para nossa saúde física, psíquica, espiritual, vocacional, do arroz e feijão de cada dia. Por outro lado, há sempre o risco da apatia, da acomodação, de uma letargia vocacional. Como, portanto, não deixar que o ordinário nos sucumba? Como descobrir a novidade do cotidiano?
Neste ano, já no 2º Domingo do Tempo Comum, somos presenteados com a narrativa joanina do casamento em Caná da Galileia (cf. Jo 2,1-11) e que parece nos oferecer algumas luzes para essas questões. Jesus, sua mãe e alguns discípulos foram convidados para uma festa de casamento, na qual o vinho vem a faltar. Jesus, por intermédio de Maria, oferece aos convivas o Vinho Novo, o melhor dos que até então já haviam sido servidos. A narrativa é encantadora, rica de elementos, não podendo ser diferente ao se tratar de um texto joanino.
Ao apresentar o início dos sinais – não milagres – de Jesus, João evoca a imagem do casamento, que ao longo do Antigo Testamento tão bem ilustrara a relação de Deus com o seu povo: “Não mais te chamarão Abandonada, e tua terra não mais será chamada Deserta; teu nome será Minha Predileta e tua terra será a Bem-Casada, pois o Senhor agradou-se de ti e tua terra será desposada.” (Is 62,4). Acontece que nesse casamento já estava faltando vinho, alegria, novidade. O povo já estava acomodado, apático, sem entusiasmo, sem consciência vocacional. Quantas vezes, na nossa relação com Deus, não deixamos o vinho acabar, não é mesmo? Esquecemos que Aliança exige compromisso de ambas as partes. Esquecemos que chamado exige resposta. Esquecemos... e nos acomodamos... e nos perdemos em nós mesmos.
Jesus chega com a novidade do Reino e nos convida a uma nova consciência vocacional. As seis talhas de pedra para a purificação costumeira até terão lugar, mas só na medida em que acolherem as águas potentes do Vinho Novo. Como está sua vocação no início deste ano? Será que não é hora – e a hora já chegou – de encher as talhas da sua história com essas águas? Você está disposto a encher de novidade o seu cotidiano? Ajude-nos, Maria, a desenvolver a sensibilidade de perceber quando o vinho estiver acabando, e mais ainda, inspire-nos a confiança de fazer tudo o que Ele nos disser!
Frei Tailer Douglas Ferreira, OSA
Promotor Vocacional
*Texto publicado na coluna PRO-VOCAÇÃO do Jornal Inquietude On-line, de janeiro de 2022.