Constantemente ouvimos que a vida sempre nos ensina algo. Na verdade, sempre questiono essa premissa. A vida, em si mesma, não está organizada nem para nos ensinar nem para que aprendamos alguma coisa. No entanto, por sermos humanos, a vida se transforma numa oportunidade de aprendizado para aqueles que se encontram abertos para contemplar a realidade histórica e, a partir dela, se posicionarem de forma livre e coerente diante dos seus desafios cotidianos.
Uma das dimensões da vida agostiniana é a nossa função de ‘ensinar-aprender’ desde uma abertura à vida e às relações humanas. Santo Agostinho foi o primeiro a expressar em seus livros (por exemplo, A Catequese aos Catecúmenos, A Doutrina Cristã, O Mestre, entre outros) que, quando assumimos a educação no interior dos grupos sociais, temos que entender que ela não se levará a cabo a não ser que possamos nos abrir ao processo cognitivo desde nós mesmos. Essa é a oportunidade que a vida nos proporciona, ou seja, a capacidade de vivermos os processos educacionais em nosso próprio corpo e alma. Esse é o princípio da nossa função social como educadores em qualquer instância e/ou nível educativo.
“Faça que tua forma de viver seja a melhor lição para teus alunos. Porque aquele que ensina bem e vive mal é ao mesmo tempo um papagaio e um ladrão: um papagaio, porque não faz nada mais que repetir o que aprendeu de memória, e um ladrão, porque fala daquilo que não é teu. Como podem ser tuas as palavras que negas com as tuas obras?” (Santo Agostinho em “A Doutrina Cristã” 4, 29)
A educação passa pela capacidade de fazermos a experiência educacional, primeiramente, em nós mesmos. Não é apenas um testemunho dos conteúdos que professamos, mas a experiência que realizamos, em nossa própria vida, dos conteúdos e das realidades que ensinamos. Para Agostinho de Hipona, somente dessa forma realizamos tanto a nossa função educativa como nos aproximamos daqueles dos quais nos fazemos responsáveis pelos processos educativos. E, por fim, alcançamos outro ponto importante do processo de aprendizagem ao longo da vida: as relações sociais mais fraternas e solidárias.
“Aprendemos juntos algumas coisas, suspiramos a ausência dos outros com pena e recebemos os que chegam com alegria. Com esses sinais, e outros semelhantes, que procedem do coração dos que se amam e que se manifestam com a boca, a língua, os olhos e mil outros movimentos gratuitos, se derretiam, como com tantos outros incentivos, nossas almas se tornavam uma só.” (Santo Agostinho em “Confissões” 4, 8, 13)
Assim, com Santo Agostinho aprendemos que a função de educar se realiza através de dois movimentos básicos: a possibilidade de fazermos a experiência do processo de aprendizagem em primeiro lugar em nosso corpo e em nossa vida cotidiana; ao mesmo tempo, o processo de aprendizagem se dá de forma conjunta, em gestos concretos e espontâneos que aprendemos ao longo de nossa vida social. Somente assim alcançaremos o ideal de realizar a aprendizagem como parte da própria vida e das relações sociais. Como esse mesmo filósofo e santo da igreja nos recorda: “Tua vida não é somente tua, senão de todos os teus irmãos; e as vidas deles são tuas; melhor dizendo, as vidas deles e a tua não são uma, a não ser a do próprio Cristo” (Santo Agostinho em “Carta” 243, 4). Educar é, para um agostiniano, um sinal de comunhão com os irmãos e com o próprio Deus.
Frei Arthur Vianna Ferreira, OSA
freiarthur@ymail.com
- Artigo publicado na coluna Fala Agostinho, do Jornal Inquietude On-line, edição de abril de 2023.