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07
mar/25

Discernimento vocacional: um caminho de interioridade e vida

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O ser humano vive num mundo voltado inteiramente para aquilo que se encontra fora de si. Seduzido pelas propostas mercadológicas e midiáticas, ele mergulha facilmente no turbilhão dos afazeres e na luta contra o tempo, tornando-se, não raras vezes, escravo dos seus aspectos mais baixos: ganância, egoísmo, violência, vingança, competição… Nesse contexto, a dialética da interioridade agostiniana constitui um método fundamental para responder às inquietações pertinentes a cada pessoa humana.

Santo Agostinho é considerado um dos mais destacados Padres da Igreja e a veracidade dessa afirmação é sua própria vida, seja considerando a história de sua conversão pessoal à fé cristã ou o serviço que ofereceu à Igreja como Bispo de Hipona durante trinta e quatro anos, tempo em que escreveu copiosamente, combateu heresias e viveu em comunidade com outros cristãos. Dos seus 232 livros, além de inúmeros tratados, sermões e cartas, Confissões é uma obra fascinante por mostrar a alma inquieta de Agostinho em busca da verdade definitiva, absoluta, que satisfaça sua sede de saber, de crer, de ser amado. Aos dias atuais a espiritualidade agostiniana constitui uma fonte de águas refrescantes, que alivia a fadiga do ser humano no seu esforço incansável pela busca da felicidade, tantas vezes, por caminhos curvados e superficiais, e aponta para a verdadeira fonte capaz de saciar toda e qualquer sede: “Fizestes-nos, Senhor, para Vós, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Vós” (Santo Agostinho in Confissões 1,1).

Para Agostinho, o caminho que leva a pessoa humana à quietude e ao encontro com Deus é o retorno à interioridade. A interioridade é o recolhimento dentro de si, que faz a pessoa encontrar Deus pelo autoconhecimento: “Que eu me conheça e Te conheça, Senhor!” (Santo Agostinho in Solilóquios 2,1). Uma vez mergulhando no seu universo interior, a pessoa é desafiada a ordenar o seu amor, pois somente “quando estão em sua devida ordem, as coisas descansam” (Santo Agostinho in Confissões 13, 9,16). O amor desordenado provoca a confusão ou caos interior. Orientado para Deus, dá identidade à pessoa e promove a comunhão fraterna. Por isso, diz Agostinho: “Ame, e faça o que quiseres” … (Santo Agostinho in Tratado sobre a primeira carta de João 7, 8).

Em tempos de grandes e rápidas transformações, quando o mercado explora o desejo humano, move e seduz o homem para a exterioridade, diluindo o sentido da vida e fragmentando a sua identidade, o cultivo da interioridade, fazendo do amor a verdade que preside as relações e contribui para uma sociedade justa e solidária, poderá configurar-se como uma resposta altamente significativa e iluminadora para os homens e mulheres da atualidade.

E é a partir da vivência dessa interioridade que cada ser humano conseguirá responder ao chamado vocacional que possui. Em tempos de tamanha superficialidade, é preciso mergulhar fundo para fazer germinar em si a resposta ao propósito de vida que cada um possui. Para isso, é necessário mergulhar nesse caminho, como salienta o Papa Francisco em Christus Vivit:

“Para realizar a própria vocação, é necessário desenvolver-se, fazer germinar e crescer tudo aquilo que uma pessoa é. Não se trata de inventar-se, criar-se a si mesmo do nada, mas descobrir-se a si mesmo à luz de Deus e fazer florescer o próprio ser: ‘Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é vocação’. A tua vocação orienta-te para tirares fora o melhor de ti mesmo para a glória de Deus e para o bem dos outros” (CV 257).

Logo, antes de querer saber o que podemos fazer, quais atividades podemos desempenhar, é necessário encarar o percurso da via da interioridade para discernir qual a sua vocação. “A tua vocação não consiste apenas nas atividades que tenhas de fazer, embora se manifeste nelas. É algo mais! É um percurso que levará muitos esforços e muitas ações a orientarem-se numa direção de serviço.” (CV255) Por isso, no discernimento vocacional, é importante ver se a pessoa reconhece em si mesma as capacidades necessárias, não somente para as realizações de determinadas atividades, mas como causa de vida que emana do interior.

Todo o processo de discernimento vocacional demanda: busca, interioridade e fraternidade. A busca caracteriza o desejo, aquilo pelo qual colocamos vontade para encontrar, e assim fundamenta a nossa capacidade de continuar, de não desistir... Santo Agostinho orienta que é pelo desejo que Deus amplia a nossa capacidade de respondermos àquilo que desejamos: “Se queres, por exemplo, encher um recipiente e sabes ser muito o que tens a derramar, alargas o bojo seja da bolsa, seja do odre ou de outra coisa qualquer. Sabes a quantidade que ali porás e vês ser apertado o bojo. Se o alargares, ele ficará com maior capacidade. Desse mesmo modo, Deus, com o adiar, amplia o desejo. Por desejar, alarga-se o espírito. Alargando-se, torna-se capaz” (Santo Agostinho in Tratado sobre a primeira carta de João 4, 6).

Interioridade, como citamos acima, é a via que nos aproxima de Deus e de nós mesmos, evitando assim desejarmos coisas exteriores e que nos afastem do ideal de vida, a nossa vocação. Porém, esse caminho não nos orienta somente a uma melhor relação com Deus e consigo. Também nos favorece a vivência da fraternidade, tendo em vista que toda a experiência cristã é também comunitária. A nossa busca, desde uma vivência interior, corrobora para harmonia nas nossas relações, levando nossos corações a uma partilha de desejos, anseios e buscas vocacionais.

Em um mundo cada vez mais individualista, egoísta, supérfluo e sem profundidade, façamos o desafio de responder ao chamado vocacional desde um caminho de interioridade e vida. Como Santo Agostinho, busquemos sentido para a nossa existência desde um encontro com Jesus Cristo. Assim, ofereceremos aquilo que somos, do interior ao exterior, em prol do projeto de amor do Reino de Deus.

Frei Caio Pereira, OSA
Promotor Vocacional - Coordenador do Secretariado de Animação Vocacional e Juvenil

Artigo publicado na coluna Pro-vocação, do Jornal Inquietude On-line, edição de fevereiro de 2025.

Imagem de capa: Freepik

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