A tecnologia faz parte de nossas vidas. Muitas áreas de nossa rotina hoje são auxiliadas, ou até mesmo comandadas, pela Inteligência Artificial (AI). Se houvesse uma pane geral no mundo na área da informática, o mundo entraria em colapso. Recentemente tivemos uma prova disso, com o “apagão informático”, que fez parar bancos, aeroportos e outros serviços.
A tecnologia avança em escala exponencial, ou seja, com uma grande velocidade e possibilidades. Muitos futurólogos anunciam que muitas coisas da ficção científica se tornarão realidade (como de fato tem ocorrido) antes da metade deste século. Não se trata, pois, de demonizar a tecnologia, mas de compreendê-la e utilizá-la bem.
Há dois extremos a serem evitados, o primeiro, é achar que o avanço tecnológico sempre vai progredir para o bem e que, no final, tudo dará certo. A tecnologia conseguirá resolver todos os problemas da humanidade. Não é pelo fato de que se possa fazer muita coisa que se deva fazê-lo (“imperativo tecnológico”). Questões éticas, regulação do uso da tecnologia, acordos internacionais, uma “governança mundial” dos algoritmos, devem estar na pauta, para não se cair em uma “ditadura tecnológica”.
O outro extremo é pensar que o avanço tecnológico levará a humanidade a destruir o planeta, será o fim do mundo. Ou que num futuro próximo as máquinas tomarão o lugar do ser humano e dominarão o mundo.
A reflexão de Santo Agostinho nos alerta que não são as coisas em si mesmas que as tornam boas ou más, mas o uso que delas se faz. Em jogo está, pois, a liberdade humana e o livre arbítrio, coisa que a IA não possui. Há pesquisas e projetos que querem potencializar a IA de forma a pensar, sentir e agir como os seres humanos. De fato, muitas áreas em que os humanos eram imprescindíveis, hoje, são assumidas pela IA.
Em suas mensagens para o Dia Mundial da Paz e o Dia Internacional das Comunicações, o Papa Francisco valoriza, em primeiro lugar, a importância da IA no mundo atual: uso na agricultura, medicina, a aquisição de conhecimentos, etc. A IA é um produto da inteligência humana, um dom de Deus, o qual o ser humano jamais deve desdenhar; pelo contrário, é necessário formar a consciência humana, trabalhar a liberdade com responsabilidade, pensar no bem comum de toda a humanidade.
Por outro lado, o Papa também alerta sobre os riscos de um avanço inconsequente, sem limites. A tecnologia deve ser acompanhada por uma adequada formação da responsabilidade pelo seu desenvolvimento, para o serviço do desenvolvimento integral do ser humano e da comunidade. Deve-se levar em conta a dignidade intrínseca de cada pessoa e a fraternidade, que nos unem como membros de uma única família humana. A pesquisa tecno-científica deve ser orientada para a prossecução da paz e do bem comum. O progresso digital deve verificar-se tendo em conta o respeito pela justiça e contribuir para a causa da paz. O ser humano deve ser considerado em sua integralidade, pois não se reduz a um conjunto de dados, organizados pelos algoritmos.
A tecnologia não deixa saudades...
Valores essenciais como a compaixão, a misericórdia e o perdão, a possibilidade de mudança do indivíduo não podem ser deixados de lado. No coração do Papa, está a preocupação em como utilizamos a IA “para incluir os últimos, isto é, os irmãos e irmãs mais frágeis e necessitados”. Essa é, na verdade, a “medida inovadora da nossa humanidade”.
Perdão, misericórdia, amor, temor, alegria, gratidão são próprios de um relacionamento humano. Nenhuma IA, por mais sofisticada que seja, conseguirá desenvolver a capacidade de compreender, acolher, olhar nos olhos e ver a alma, escutar com verdadeiro interesse, agradecer, porque esses são atributos humanos e divinos. A IA poderá ser muito eficiente, fazer coisas que os humanos não conseguem fazer, facilitar a vida em muitos campos, mas não conseguirá deixar saudades!
Frei Luiz Antônio Pinheiro, OSA
Prior Provincial
Artigo publicado na coluna Reflexão, do Jornal Inquietude On-line, edição de julho de 2024.