Todos nós temos oportunidade de viver o amor. Ele é o princípio pelo qual as coisas ganham sentido. Os cristãos sabem muito bem disso, e por isso celebram na paixão de Cristo, o amor incondicional de Deus pela humanidade em seu último sacrifício: seu filho amado redime todos os pecados do mundo e instaura a fraternidade, principalmente, entre os mais pobres e os injustiçados.
Contudo, para que o amor tenha esse sentido redentor e solidário, é necessário que saibamos o que amar e como amar as realidades que se apresentam para cada um de nós.
A partir dessa realidade, Agostinho de Hipona reconhece que uma das virtudes a serem trabalhadas entre os homens é a capacidade de ordenação de seus afetos. Como ele mesmo diz, “Põe amor nas coisas que faz e as coisas terão sentido. Retira o amor e elas se tornarão vazias.” (Sermão 138, 2 de Santo Agostinho).
Um dos aspectos da ordenação dos afetos passa pela capacidade de se questionar sobre como os nossos sentidos estão voltados para a realização da vontade de Deus em sua vida e na dos seus irmãos. De que adianta sermos felizes, se as outras pessoas estão infelizes? A nossa ação no mundo deve produzir reflexos na vida dos irmãos. Viver é um espaço da “com-vivência”, ou seja, da possibilidade de partilhar da vida em comum e do usufruto do que foi destinado a cada um, como filho de Deus, ao mesmo tempo, a coletividade, como fraternidade solidária.
“Amar o inimigo, como inimigo, é uma loucura. Amá-lo como irmão é caridade. Se o médico amasse o enfermo, como enfermo, preferia que não se curasse jamais. Ao amá-lo como uma pessoa sã, se apressa em restabelecê-lo a saúde.” (Comentário de Santo Agostinho a Carta de São João 8, 4).
De fato, somos chamados a esse trabalho hercúleo: a ordenação dos afetos em relação aos outros que se expressa através de um amor fraterno, solidário e concreto diante das realidades da vida. Ou seja, expresso na relação com os irmãos.
“Todo amor tem sua força e não existe amor ocioso.” (Comentário de Santo Agostinho aos Salmos 121, 1).
A força do amor reside na possibilidade de, ao olharmos os nossos irmãos e estendermos as mãos para eles, possamos ser pessoas diferentes.
De fato, o amor ao próximo nos aproxima do amor de Deus pela humanidade e que se renova em todos os anos ao fazermos a memória da Páscoa do Senhor. Deus entrega o seu maior afeto, o seu filho, para salvação do gênero humano. E, ao ressuscitar, faz com que o amor, ordenado segundo a vontade Deus supere todo o tipo de morte. Pois a ressurreição também é uma ordenação do amor que abre a eternidade para cada um de nós.
Frei Arthur Vianna Ferreira, OSA
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- Artigo publicado na coluna Fala Agostinho, do Jornal Inquietude On-line, edição de março de 2023.