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out/22

A miopia maniqueísta em nosso país

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Durante a campanha eleitoral deste ano, mais que veicular propostas de governo ou apresentar programas que abordem os graves problemas do país, vários candidatos gastaram a maior parte de seu tempo atacando seus opositores. Quando não, fazendo também difamações e levantando calúnias. Além de usar descaradamente a religião como justificativa de suas ideias, em busca de apoio eleitoreiro. Num Estado laico, que se diz cristão, diariamente se tem tomado o nome de Deus em vão!

Os discursos políticos se travestiram de roupagem religiosa, buscando coaptar católicos e evangélicos. Celebrações religiosas foram perturbadas por desordeiros que empunhavam as bandanas de uma hipócrita moralidade. Autoridades religiosas foram desrespeitadas até mesmo dentro do recinto das igrejas, durante missas e cultos.

Chegaram os tempos apocalípticos, numa batalha do bem e do mal, entre Deus e o diabo! Com muita facilidade, tanto candidatos como apoiadores, se manifestaram como paladinos do bem contra as forças do mal: nós estamos certos, vocês estão errados! Nós somos cristãos, vocês são ateus! Nós somos do bem, vocês são do mal! Simples assim!

Tal posicionamento, que adquire ares de salvação ou condenação, revela uma grave doença que está cegando a sociedade brasileira, impedindo um olhar sereno e crítico diante da barbárie que tem se instalado em nosso país: trata-se de uma miopia maniqueísta.

O maniqueísmo é uma religião que surgiu no século III, de caráter sincretista, que usou elementos do judaísmo, cristianismo, gnosticismo e religiões mistéricas da antiguidade. Seu fundador foi o autonomeado profeta e salvador Manes (216-276). Da antiga Pérsia, onde surgiu, espalhou-se pelo Império romano, ultrapassou suas fronteiras e chegou até a Índia e a China. Afirmava a existência de dois princípios eternos, o Bem (Luz) e o Mal (trevas), que estavam sempre lutando entre si. Até mesmo em cada pessoa havia duas almas: uma boa (luminosa) e outra má (tenebrosa). No fundo, seus partidários não se sentiam responsáveis por todos os seus atos nesta terra, uma vez que estavam sob o domínio de duas forças antagônicas. Por um complicado processo de conhecimento e ascese seria possível vencer a alma má, aprisioná-la no reino das trevas e libertar a alma luminosa, que voltaria assim para o reino da Luz.

A religião maniqueísta existiu assim até meados do século VII, e depois foi desaparecendo. Sua influência, no entanto, perdurou e se fez sentir em várias seitas religiosas na Idade Média e até mesmo nos tempos atuais. De toda forma, a “mentalidade maniqueísta”, que separa o mundo entre bem e mal, bons e maus, está muito presente nos tempos atuais. Prova disso é a situação que relatamos logo acima. Mas esse tipo de mentalidade aparece também em outras esferas. Onde há um dualismo radical, aí está presente a mentalidade maniqueísta.

Por incrível que pareça, o jovem Agostinho se encantou com a proposta maniqueísta, que lhe foi apresentada com um engenhoso discurso racional, que aparentemente “resolveu” suas dúvidas de fé. Ele permaneceu no maniqueísmo por nove anos! No entanto, pouco a pouco seus olhos se abriram e ele abandonou a seita. Após sua conversão, ele se tornou um ardoroso defensor da fé cristã contra os descalabros maniqueístas. Por pelo menos dez anos, ele se empenhou na “luta antimaniqueia”. Em suas Confissões ele narra esse período tenebroso de sua vida. Entre as obras desse período, destacam-se: Sobre os costumes dos Maniqueus e da Igreja Católica; O livre arbítrio; A carta chamada Fundamento; As duas almas; Contra Fausto Maniqueu. Nessas obras aparece o gênio agostiniano acerca de temas complexos como a origem do mal, a liberdade humana, a afirmação da supremacia do bem sobre o mal, a responsabilidade moral, o seu método de pesquisa, baseado na interrelação da fé e razão.

Em época de tanta miopia, estupidez, falta de senso crítico e obtusidade mental, muito bem pode fazer um aprofundamento na espiritualidade pensante de Santo Agostinho que, como um grande luminar, pode ajudar a espantar a escuridão de nossa sociedade.

Frei Luiz Antônio Pinheiro, OSA
Prior Provincial

- Artigo publicado na coluna Reflexão, do Jornal Inquietude On-line, edição de outubro de 2022.

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