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jun/22

Interioridade – Orando com o coração

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Em pleno século XXI, falar em oração pode parecer um esforço inútil. Muitas são as distrações e obstáculos para uma vida espiritual ativa, sobretudo cristã. E, ainda assim, quando nos esforçamos para tal, vemos a vida social e a vida interior lutarem pelo nosso tempo. Na maioria das vezes, optamos por manter uma vida social estável e muito bem cuidada. Como estabelecer, então, uma vivência que integre a vida de oração à vida rotineira sem que o indivíduo contemporâneo veja maculada sua autonomia e emancipação? Ou melhor, como orar em tempos de pressas e em um mundo que vai estabelecendo sua cosmovisão sem a fé religiosa? Eis a tarefa árdua da nossa espiritualidade cristã.

Basta a súbita suspeita de algo inefável e misterioso para tocar a fragilidade humana que vive situações de conflito. E daí nasce o monólogo do indivíduo desvalido, o grito suplicante, o coração que se alça ao infinito e às finitudes do mundo a fim de superar a dor invencível de “ser” humano. E, no meio dessa situação caótica, não é nada fácil falar da oração cristã, que exige diálogo, escuta, interioridade habitada e fidelidade incondicional.

Para superar essa dificuldade em nós e em nosso meio, precisamos fazer uso do próprio elemento que nos é penoso, a oração. Ela é a chave para uma conversão e se sustenta num processo de interioridade. Um dos grandes mestres da interioridade, senão “o” mestre, é Santo Agostinho, que nos ensina um caminho de busca e inquietude alimentado pela oração. Para ele, a interioridade jamais deve ser entendida como egocentrismo, narcisismo e/ou individualismo. É olhar a si próprio, no íntimo, no coração, e encontrar-se com a Verdade: “no interior habita a Verdade” (Santo Agostinho, A verdadeira religião 39,71).

Não obstante, a oração é um acontecimento interior, “clamor do coração, não da boca nem dos lábios” (Santo Agostinho, Sermão 156,15). É falar a Deus e escutar o que Ele diz. Esse processo de interioridade está necessariamente chamando à transcendência, isto é, adentrar o íntimo não pode ser nossa estação terminal, devemos voltar Àquele que nos criou, tal e qual o filho caçula que retorna aos braços do Pai (Lc 15,11-32). O coração do ser humano é o próprio ser humano, sua interioridade, sua consciência, sua vontade, sua inteligência, sua liberdade, aquilo que mais nos qualifica como de fato seres humanos. Ali está o núcleo do amor, e nos é conhecido que o indivíduo vale por aquilo que ele ama (Santo Agostinho, Confissões XIII,9,10).

Dessa forma, a interioridade não é apenas lugar de encontro consigo mesmo, mas de encontro com Deus, a Verdade, e nosso mediador é Cristo. Jesus não apenas nos recomendou à oração, mas tornou-a realidade. “Orou para nos ensinar a orar; padeceu para nos ensinar a sofrer e ressuscitou para nos infundir a esperança na ressurreição” (Santo Agostinho, Comentário aos Salmos 56,5). Ele nos ensinou que não cabe a falta de harmonia entre os sentimentos e as palavras, e sempre exige um compromisso que se enraíza a partir do amor. Compromisso este que se cumpre na fraternidade, na amizade.

Por isso, a oração se manifesta na vida e a vida se faz oração. Quando rezamos a Deus, em espírito e em verdade, não nos afastamos dos outros. A chave para uma perfeita oração está em saber que somos amados. Basta-nos poucas palavras que possuem grandes significados, se proferidas em harmonia com o coração. Teresa de Jesus, uma das grandes mestras da oração, já nos ensinava que o conhecimento daquele que nos ama é força motriz suficiente para fazermos da nossa vida uma oração: “que, a meu ver, não é outra coisa a oração mental senão tratar com amizade, estando muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama” (Vida 8,5) e que “o verdadeiro amante em qualquer lugar ama e sempre se lembra do amado” (Vida 5,16). Por isso é fato que “está mais próximo de nós quem nos criou, que todas as coisas que criou” (Santo Agostinho, Comentário ao Gênesis 5,16,34).

É nessa perspectiva que nasce o valor da fraternidade e da amizade. Ajudar a compreender que somos amados e perceber o amante na criação. Mas, ainda, como a amizade, junto à oração, nos ajuda a superar esses desafios hodiernos? Pelo simples fato de sermos interdependentes e possuirmos o mesmo elemento fundante: o amor.

Ninguém pode ser amigo do outro se não for primeiro amigo da própria Verdade e, sendo amigo da própria Verdade, não pode deixar de ser amigo do outro. Afinal, “que consolo maior, entre as agitações e sofrimentos da sociedade humana, que a confiança sincera e o mútuo amor dos bons e autênticos amigos?” (Santo Agostinho, A Cidade de Deus 14,8). É pela amizade, pelo convívio social que correspondemos profundamente à realização efetiva da nossa vocação (Gaudium et Spes, n. 25). É a verdadeira amizade que nos serve de sustentáculo para a experiência da interioridade e nos atrai à solicitude do amor, propiciando, assim, a transformação e o equilíbrio tão almejados. Além de nos converter em testemunhos vivos da possibilidade de se ter uma autêntica vida cristã, de oração, neste conturbado mundo moderno ou pós-moderno, se preferirmos.

Portanto, mesmo parecendo um esforço inútil falar em vida de oração nesta atualidade, viver a fraternidade e a amizade nos coloca, automaticamente, neste caminho oracional. A proximidade com o inefável e com o próximo se converte em experiência de oração, caminho de fé e esperança de uma vida feliz.

Fr. Eberson Dionísio Naves, OSA
Equipe de Animação Vocacional

-Texto publicado na coluna PRO-VOCAÇÃO do Jornal Inquietude On-line, edição de junho de 2022.

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