Um dos temas que mais confrontou o pensamento teológico ao longo dos tempos foi o “Mistério da Trindade”. Grandes autores, em diferentes épocas da história da Igreja, buscaram compreender e desenvolver tratados que pudessem exprimir conceitos, relações e manifestações da Trindade à realidade. Surgiram muitas heresias no que se refere à compreensão trinitária; algumas foram superadas e outras ainda aparecem “disfarçadas” no mundo atual.
A partir do momento em que a Trindade se manifesta: a) na autoconsciência (ad intra, mysterium) e b) na criação (ad extra, loci theologici), temos os conteúdos básicos da revelação. O lugar onde a Trindade se comunica é, primordialmente, a história, compreendida como o delinear do movimento dinâmico do Espírito que produz, inclusive, a realidade humana. Da criação, essa “fenomenologia do Espírito” continua até o que podemos nomear de “plenitude da revelação”, quando o “Verbo” se encarna: é a manifestação trinitária por excelência.
Na economia da salvação, o Pai é o Deus libertador que caminha com seu povo na história de Israel, na formação do povo eleito, no ato de fé de Abraão, na atuação dos profetas e na literatura bíblica. A revelação do Filho é caracterizada pela encarnação e pelo anúncio do Reino de Deus. Na cruz, há a redenção e o silêncio de Deus. Conforme Hans Urs von Balthasar, a história humana é o âmbito privilegiado em que a Trindade se revela como história. O mistério pascal, a cruz, seria o momento culminante dessa história, uma vez que revela a economia salvífica presente na ação do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O elemento fundante do evento da cruz está na kenosis da Trindade, isso porque a encarnação do Filho representa um distanciamento do Pai que não se encarna. O sofrimento do Pai se inicia nesse distanciamento do Filho, antes mesmo da encarnação, dentro do mistério de Deus, na vida intradivina.
O Espírito Santo já está presente desde a criação, nas entrelinhas da história. O Espírito é o amor de Deus que se manifesta como amor de mãe, que protege, cuida, nutre e fortalece os dons e carismas. Em virtude dessa comunhão com a humanidade, o Espírito possibilita a encarnação do Filho, a chegada do Reino de Deus ao mundo e a redenção pela cruz. Portanto, é na revelação do Pai, do Filho e do Espírito Santo na história que o amor é comunicado à humanidade, convidando-nos a essa experiência trinitária totalizante. Na economia da salvação, Deus se revela e se autocomunica aos seus filhos; uma revelatio plene, cujo objetivo é que cada homem, cada mulher, localizado(a) historicamente, compreenda que Deus caminha com ele(a), apesar do sofrimento e do “silêncio”, numa profunda relação de doação e fé.
Após a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, não podemos encerrar a revelação de Deus, uma vez que a Trindade ainda se encontra no mundo, enquanto natureza intrafenomenológica e enquanto dinâmica do “ideal” (missão). Se a revelação não está completa, cabe-nos perguntar: onde a “Trindade se revela” atualmente? Se considerarmos que a história é o lugar por excelência da autocomunicação trinitária, ocorre-nos afirmar que existem lugares teológicos onde a Trindade está presente. Nesse sentido, perguntar pelos loci theologici é perguntar pela Sua natureza e fundamentos; é discernir os novos lugares eclesiais, sociais e históricos que oferecem garantias para que a revelação de Deus seja ouvida e acolhida.
Frei Thales Ryan de Carvalho, OSA
Fraternidade Frei Marcelino Barrio - Paróquia Santa Cruz - Chapada do Norte/MG
*Artigo publicado na coluna Theos, do Jornal Inquietude on-line, de janeiro de 2022.
Referência:
DE CARVALHO, Thales Ryan. Um estudo sobre a Trindade: da revelação de Deus aos loci theologici. Monografia (bacharelado em Teologia) – Pontifício Ateneu Santo Anselmo - Instituto São Paulo de Estudos Superiores. São Paulo, 2021
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