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03
jan/22

Minas Gerais como Zona de Sacrifício Ambiental

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Em 2011, a Campanha da Fraternidade (CF) trouxe, para as mesas eucarísticas de nossas igrejas, o tema da fraternidade e a vida no planeta. O objetivo dessa campanha era colocar o amor a Deus, ao próximo e à natureza como critério fundamental para o nosso pensar e agir em relação ao meio ambiente. Essa preocupação com o tema da ecologia não foi episódica, visto que se tenha abordado diferentes perspectivas dessa mesma realidade noutras edições, notadamente a partir de 1979.

A CF é sempre um convite à conversão e, em tempos como os nossos, torna-se importante ver como ainda precisamos dessas transformações. Tomados por essa motivação, propomos um sobrevoo sobre a realidade que nos cerca. Vejamos, nesses últimos dias acompanhamos as tragédias em algumas regiões de nosso país em decorrência das chuvas. Gostaria de recordar que, há poucas semanas, estávamos sendo acometidos por um grande período de estiagem, que acabou por afetar a todos, seja pela ausência de água em determinadas regiões ou pelo encarecimento das contas de energia elétrica.

Num primeiro momento de descuido, podemos concluir que essa trágica realidade seja um resultado exclusivo do ciclo das águas, sendo que, anualmente, sofremos com inundações e estiagens. Contudo, o que acontece de fato em nosso meio para seguirmos perpetuando essa tragédia, que por vezes é justificada pela ação da natureza ou pela vontade divina?  

As mudanças climáticas são uma realidade incontestável em nosso meio. Não obstante, elas ainda não são a causa, mas, sim, efeito. Essa consequência se insere junto a uma série de ações calamitosas. Tomemos o nosso território como referência. O Brasil é um país de capitalismo dependente, por conta disso, ele se insere naquilo que chamamos “zona de sacrifício”.

Esse conceito é utilizado pelos movimentos de justiça ambiental para designar as localidades impactadas pelo movimento de expansão das fronteiras do capital motivadas pela acumulação capitalista, que muitas vezes são articuladas conjuntamente com os Estados para manter competitividade no mercado mundializado das commodities. Assim, são criadas zonas de sacrifício, onde populações tradicionais e em processos de vulnerabilização são as mais atingidas pelos riscos/impactos socioambientais.

A denominação “zona de sacrifício” surgiu nos Estados Unidos, quando um movimento de Justiça Ambiental associou a reunião espacial dos males ambientais do desenvolvimento capitalista ao processo mais geral que produz desigualdades sociais e raciais naquele país. Tal movimento ganhou força em 1987, quando um estudo mostrou que todos os depósitos de lixo tóxico do território estadunidense achavam-se localizados em áreas habitadas pela comunidade negra. Seu resultado apontou para a existência do que passou a ser chamado “racismo ambiental”, articulando as lutas ambientais às lutas tradicionais pelos direitos civis.

Dado que nosso país tenha sido colocado numa “zona de sacrifício”, verificamos que dentro dessa mesma região geral há outras pequenas zonas, as comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas, campesinos e gente vivendo em periferia de cidade mal planejada. Por conta disso, como bem nos lembrava a CF de 2011, e todo o movimento negro que desenvolveu o conceito de racismo ambiental, o nosso olhar para a realidade tem que ser capaz de englobar as pessoas e o meio em que elas se inserem. Só assim, de forma indissociável, teremos critérios para julgar o que se passa e projetar uma transformação de nossa realidade.

O estado de Minas Gerais vem sofrendo com a exploração de minério desde o começo da colonização no Brasil. Apesar disso, ainda hoje é o estado que mais possui reservas minerais, o que gera um embate entre produção mineral, conservação ambiental e direitos humanos. Nas últimas décadas houve um grande aumento da expansão de minas no estado, bem como impactos ambientais e de saúde pública nas cidades que abrigam minerações mais antigas. Ainda assim, pouco ou nada se fez para a mudança dessa realidade que submete a natureza e as pessoas à exploração e à acumulação de capital.

Enfim, urge a todos nós uma tarefa cristã, de ouvir solidariamente a voz daqueles que gritam a Deus por justiça. São os ribeirinhos, quilombolas, indígenas e toda a população periférica que devem ser ouvidos, dado que são essas pessoas as que mais sofrem com toda a exploração do capital. São esses povos que, via de regra, têm que enfrentar o lixo da exploração ambiental, sobretudo em Minas Gerais, onde, com a lama que invade as casas das pessoas, chegam os rejeitos tóxicos que agravam a tragédia que assola essas pessoas.

Frei Paulo Henrique Cintra, OSA
Comissão de Justiça e Paz e Cuidado com a Criação

* Publicação na coluna Pé no Chão do Jornal Inquietude On-line, em janeiro de 2022.

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