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01
set/21

Tempo da Criação 2021: momento de renovação e cuidado do Oikos

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Durante os dias 1 de setembro a 4 de outubro de 2021 vivenciaremos o Tempo da Criação, período proposto pelo Papa Francisco para os cristãos e pessoas de boa vontade rezarem e refletirem sobre o cuidado com a Casa Comum. Neste ano, o tema que será refletido é: “Uma casa para todos? Renovando o oikos de Deus”. A partir, pois, dessa provocação, apresentaremos aqui o oikos no pensamento filosófico platônico e como o mesmo pode contribuir, junto ao pensamento do Papa Francisco, para refletirmos novas perspectivas de relação com a Casa Comum.

            Primeiramente, vale salientar que na Grécia antiga, no período em que viveu Platão (século VI a.C.), a relação do homem com a natureza era diferente da concepção que temos hoje. O homem se via como um ser no cosmos, habitando junto com os demais seres e formando uma harmonia cosmológica. Existia, assim, uma relação de cuidado do homem com os demais seres, pois, para se manter a harmonia no oikos era necessário que todos estivessem bem cuidados. Oikos, quer dizer habitação ou lar, no sentido mais próprio da palavra, é aquilo que dá abrigo e aconchego. E por ser essa casa de todos, todos devem dela cuidar e preservá-la, mantendo sua organização natural. Se esta harmonia originária for rompida em algum espaço do oikos, toda a estrutura natural está comprometida, pois “tudo está interligado” (Laudato Si’117).

Platão via a Terra com o olhar cosmológico, como parte desse grande universo que se encontra num ciclo relacional com os demais seres do cosmos, sejam eles humanos, animais, vegetais, animados e inanimados. Para Platão, o cosmos se caracterizava pelo universo ordenado, estruturado em leis que se baseiam no conceito de virtude, a proporcional medida matemática, o equilíbrio, onde “ordenar o universo consiste em produzir os logoi, as relações numéricas, a medida e, portanto, em plasmar e modelar ‘segundo formas e números” (REALE, 1997, p. 499). Essas leis serviam tanto para ordenar o mundo quanto o homem e assim formar o todo. As coisas se encontravam proporcionalmente organizadas. Do contrário, se a ordem do universo é rompida, por consequência, a desordem assume o seu lugar e o que era, até então proporcional e previsível no universo, se torna desordenado e imprevisível.

Junto a isso, os demais seres também sofrem a consequência da desregulação da Casa Comum. Platão, no diálogo filosófico Timeu, ao tratar sobre a desordem cosmológica aponta que somente quando se retorna as coisas para seus respectivos lugares da maneira em que estavam é que podemos retornar à ordem. Se não, “tudo quanto, porém, vier a exceder uma ou outra dessas condições em sua saída ou ingresso produzirá múltiplas e variadas alterações e incontáveis enfermidades e corrupções.” (PLATÃO, 2010, p. 250)

Atualmente, o planeta Terra passa por uma complexa crise socioambiental, onde a Casa Comum se encontra desregulada. O pensamento tecnicista e antropocêntrico do homem como ser superior aos demais, tendo a Terra como submissa ao seu uso de forma exacerbada e exploratória, provocou a corrupção citada acima. A falta de recursos naturais devido ao alto índice de exploração, o consumismo desenfreado, o desmatamento da flora e a matança da fauna provocam as diversas mudanças climáticas e muitas doenças. Soma-se a isso a dificuldade de encontrar os recursos básicos para a sobrevivência como comida e água, devido sobretudo aos altos índices de poluições na terra, no ar e na água.

O Papa Francisco, na sua Encíclica Laudato Si’, por meio destas constatações, afirma que nossa Casa Comum está doente, “vislumbra-se nos sintomas que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos” (Laudato Si’2). Esta doença de que fala o Papa é provocada pelo antropocentrismo e o tecnicismo que causam a ideia de observação do mundo como objeto, submetido à técnica e ao cálculo humano. “O antropocentrismo moderno acabou, paradoxalmente, por colocar a razão técnica acima da realidade” (Laudato Si’ 115), provocando assim uma complexa crise socioambiental.

O Papa afirma que são preocupantes as diversas mudanças que estão acontecendo rapidamente na humanidade e no planeta. Segundo ele, a evolução biológica age com natural lentidão e não acompanha o atual sistema que trabalha com o imediato. Um detalhe importante referente a isso é que as mudanças imediatas não estão necessariamente para o bem comum, a serviço de todos, mas se caracterizam como particulares a grupos ou indivíduos. Francisco não condena a mudança, mas ressalta que ela se torna preocupante quando não se importa com o mundo e com a qualidade de vida dos indivíduos, não levando em consideração seus limites e capacidades, correndo o risco de eliminá-los.

De acordo com a reflexão apresentada na encíclica, uma verdadeira abordagem ecológica está relacionada ao social: “sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (Laudato Si’ 49). A partir desta escuta, é necessário procurar práticas que sirvam integralmente, pois, de acordo com o Papa, “não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental” (Laudato Si’ 139). Se algo é deteriorado no meio ambiente, por consequência se deteriora no meio social, pois ambos estão interligados.

Diante dessa realidade de buscar novas medidas em meio a uma crise, o Pontífice exorta que precisamos “reconhecer a grandeza, a urgência e a beleza do desafio que temos pela frente” (Laudato Si’ 15). De forma concreta, utilizar-se de práticas que favoreçam a integralidade e a sustentabilidade tornou-se questão de sobrevivência, pois, “quem está ameaçada de morte, hoje, é a natureza – e com ela, o ser humano” (OLIVEIRA e SOUZA, 2009, p.11).

O pensamento platônico e de Francisco se assemelham ao observarem o mundo como este cosmos ordenado ou esta Casa Comum, onde tudo está interligado, sendo o homemparte deste cosmos e em relação com os demais seres. Num universo abrangente e soberano no qual o homem é parte da cosmologia, mas não senhor “Platão reconhece completamente o poder sobrenatural do universo, o faz com a garantia inclusa de que ele nunca será exercido para perturbar as regularidades da natureza” (VLATOS, 1987, p. 44). Conscientes que o universo e a natureza estão regulados e que a humanidade tem seu local nesta ordem, mas não senhorio de explorador, ou, como afirma Francisco, “não somos Deus. A terra existe antes de nós e foi-nos dada” (Laudato Si’ 67), e que “estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos” (Laudato Si’ 239), é necessário o compromisso de cuidado da Casa Comum sabendo que existimos e nos formamos nela.

Este período do Tempo da Criação é propícia oportunidade para repensarmos a nossa relação de cuidado e compromisso com a Casa Comum. E, como vimos, tanto as concepções de Platão como as reflexões do Papa Francisco podem contribuir para seguirmos por novas perspectivas eficazes de relacionamento com o oikos e a preservação da vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. São Paulo: Editora Ática, 1995.
FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus, 2015.
OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de, SOUZA, José Carlos Aguiar de (org). Consciência planetária e religião: desafios para o século XXI. São Paulo: Paulinas, 2012.
PLATÃO, Diálogos V: Timeu. Bauru-SP, Edipro, 2010.
REALE, Giovanni. Para uma nova interpretação de Platão. São Paulo, Loyola, 1997.
SCHUCK, Neivor. O cuidado com a nossa casa: a lição que não aprendemos com os gregos. Filosofia ciência e vida. São Paulo, n. 26, 2008.
VLASTOS, Gregory. O universo de Platão. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1987.

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