Quando vamos refletir sobre as vocações, e de maneira concreta as vocações nas Sagradas Escrituras, precisamos pelo menos levantar respostas às seguintes perguntas que caracterizam o movimento vocacional: Quem chama? A quem chama? Para que chama? Como chama?
E quais seriam as respostas? Aquele que chama é Deus. Ele chama a cada ser humano, homem e mulher. Chama porque ama a todos, e por isso convida para uma missão em favor dos demais. Cada um, diante do chamado, pode fechar-se em seu projeto pessoal e não aceitar a proposta de Deus. Contudo, Ele nos convida amorosamente para uma missão partilhada, onde sentiremos a Sua presença conosco sempre!
A noção de vocação, o chamado divino para um propósito específico na vida, perpassa toda a narrativa bíblica. Desde o Antigo Testamento, vemos personagens como Abraão, Moisés e os profetas recebendo chamados extraordinários para liderar povos, mediar com Deus e anunciar profecias. Esses exemplos revelam que a vocação não se limita a uma esfera religiosa, mas permeia todas as dimensões da existência humana.
No Novo Testamento, a ideia de vocação é radicalmente transformada pela pessoa e obra de Jesus Cristo. O chamado universal à santidade é estendido a todos os batizados, que são convidados a seguir a Cristo e a participar de Sua missão. A vocação cristã, portanto, não é apenas uma experiência individual, mas uma participação na comunidade eclesial. Os apóstolos, por exemplo, foram chamados por Jesus para serem pescadores de homens, demonstrando que a vocação pode envolver mudanças radicais de vida e um compromisso com a missão de evangelizar.
A carta aos Efésios, em particular, oferece uma rica teologia da vocação, afirmando que todos os crentes são escolhidos em Cristo antes da criação do mundo para serem santos e irrepreensíveis diante de Deus: “Antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos” (Ef 1,4). Essa perspectiva destaca a dimensão eleita da vocação, ou seja, o fato de que somos chamados por Deus antes mesmo de respondermos a esse chamado. A vocação, nesse sentido, é um dom gratuito de Deus que nos configura à imagem de Cristo.
Agostinho de Hipona, grande mestre da fé, viveu uma experiência vocacional desde a sua relação com as Sagradas Escrituras. Dentro do itinerário de sua conversão, Agostinho conseguiu migrar de uma perspectiva reducionista em que observava a Palavra de Deus como fantasiosa, pobre de conteúdo racional, para um aprofundamento desde a realidade de sua vida. Foi através da leitura orante da Palavra de Deus, do estudo e da partilha comunitária que o bispo de Hipona conseguiu responder ao seu chamado vocacional, tendo todos os seus sentidos afetados por tamanha transformação, como nos relata em suas confissões, no famoso texto “Tarde te amei”.
A espiritualidade agostiniana, profundamente enraizada nas Sagradas Escrituras, encontra na vocação um dos seus eixos principais. Santo Agostinho, em sua busca incessante por Deus, experimentou pessoalmente a força transformadora do chamado divino. Para o bispo de Hipona, a vida cristã é uma contínua resposta ao amor de Deus, que nos precede e nos atrai para si.
A leitura assídua das Escrituras era fundamental para Agostinho, pois era através dela que ele encontrava a luz que iluminava seu caminho e o fortalecia em sua vocação. A espiritualidade agostiniana, portanto, nos convida a aprofundar nossa relação com a Palavra de Deus, a fim de descobrir nosso lugar na Igreja e no mundo, e a viver plenamente o chamado que recebemos.
Frei Caio Pereira, OSA
Promotor Vocacional
Artigo publicado na coluna Pro-vocação, do Jornal Inquietude On-line, edição de setembro de 2024.
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