“Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?” (Lc 24, 32)
O período formativo para a Vida Consagrada e Ministério Ordenado é marcado pelo trabalho com as humanidades do candidato. Para isso, apresentam-se cinco dimensões que devem ser bem vivenciadas em busca de um amadurecimento pessoal, relacional e espiritual. São estas as dimensões: Humano-Afetiva, Comunitária, Espiritual, Intelectual e Pastoral.
À primeira vista parece uma fragmentação da pessoa, no entanto, é uma oportunidade de ver cada aspecto da vida humana a sua vez, mas não é somente isso, pois a pessoa é todo este movimento interno e externo, de suas experiências, emoções, sensações, desejos, sentimentos, bem como de suas escolhas positivas e negativas. Tudo isso significa que o despertar vocacional está intimamente ligado com quem eu sou, como me compreendo, me vejo e o quanto sou capaz de me relacionar com Deus e com os outros. Se uma dimensão não vai bem, as demais já não estão bem. Por isso, é importante buscar sempre um equilíbrio na vivência das dimensões. Não significa que estaremos cem por cento em tudo e todos os dias, mas significa que existem tentativas, busca por crescimento, abertura para novidades e para transformações.
No capítulo 24 do Evangelho segundo Lucas, Jesus aparece ressuscitado aos discípulos de Emaús, que aparentemente, estavam tristes e desanimados, desolados como que desamparados. Foram os discípulos que falaram e Jesus os escutou atentamente, mas veio o momento em que foi a vez de Jesus falar. Aqui está a centralidade para todos os que buscam discernir o chamado de Deus. Jesus começa pela escuta, esse é um aspecto importante, depois fala, ensinando, provocando e inquietando o coração de quem O escuta. De certa forma, mesmo não reconhecendo o Senhor, os discípulos são afetados por aquele “desconhecido” peregrino. Se assim não fosse, eles não O teriam convidado para permanecer e nada teria mudado. Medo, tristeza e falta de esperança continuariam a impedi-los de encarar o futuro e o projeto de Jesus teria morrido na cruz. Para Jesus, só tinha uma alternativa possível, era seguir adiante e lhe restaria esperar que um dia os encontrasse outra vez pelo caminho.
O que acontece com o casal de Emaús é uma experiência com a verdade. Já a ouviram, na longa exposição de Jesus, mas somente ouvi-la não foi o suficiente. O coração ardeu, mas os olhos não se abriram. Abrem-se no partir do pão, no gesto concreto de Jesus, na Sua ação, na sua prática eles O reconhecem. É estranho, no relato, que seja Jesus quem toma o pão, o abençoa, o parte e o dá a eles. Afinal, estão na casa dos discípulos de Emaús, sentados em torno de sua mesa. O normal seria que os anfitriões fizessem isso, e não o hóspede. Talvez cada um tivesse trazido o que tinha para comer e Jesus teria tido pão na sacola, e colocaria em comum. Um gesto fraterno, típico de Jesus, coerente com a Sua pregação.
O processo formativo nos ajuda a experienciar a dinâmica de Jesus, pois, ao nos dispormos em conhecer mais e aprofundar melhor nossas realidades humanas, vamos amadurecendo na partilha de vida e bens. As dimensões humanas vão se integrando e lapidando uma pessoa melhor. Reconhecendo limitações, defeitos, fraquezas e fragilidades, mas potencializando os dons e qualidades que trazemos. Para que tudo isso? Como reza o salmista no Salmo 100, “Servi ao Senhor com alegria”. Sim, na alegria de viver está o servir. No sofrer, ressignificações. No serviço, ser entrega e doação pelo Reino de Deus, na gratuidade.
Portanto, o eixo central de como despertar vocações é através da escuta, da partilha de vida, de um mergulho nas inquietudes humanas, permitir-se ser trabalhado e dar um salto qualitativo na dinâmica do serviço pelo Reino.
*Texto publicado na coluna PRO-VOCAÇÃO do Jornal Inquietude On-line, de julho de 2023.
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