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01
ago/23

Inteligência Artificial ou Capitalismo Avançado?

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Muitos são os debates sobre Inteligência Artificial (IA) em nosso tempo. Principalmente se considerarmos que no último ano muitas ferramentas de IA se multiplicaram e se apresentaram ao mundo. Despertando, portanto, diferentes opiniões ao inaugurar novas fronteiras que põem na mesa problemas éticos, sociais e pedagógicos. Não tocaremos nos dilemas de conteúdo, visto que as IAs ainda estão em suas primeiras versões e, com as suas atualizações futuras, esses problemas devem ser solucionados. Sobretudo se considerarmos a sua notável capacidade de evolução exponencial.

Para tomarmos como exemplo e levantar a problemática, citaremos o ChatGPT, que teve bastante impacto já nas suas primeiras versões, principalmente no que toca à formação humana nas escolas e universidades. Por ele ser capaz de produzir textos sob encomenda e orientação de quem o “comanda”, deparamo-nos com um imbróglio. Essa ferramenta gera dúvidas sobre a aquisição da habilidade argumentativa das pessoas, visto que, com ela, não é mais necessário aprofundar sobre algum tema, nem possuir a habilidade de formular argumentos para expô-lo e defendê-lo. Basta, portanto, dar alguns comandos para a IA e ela se encarrega de trazer o tema e desenvolvê-lo conforme orientado.

No início de toda e qualquer revolução, sobretudo a técnico-científica, sempre existem aqueles que assumem uma postura alarmista ou ainda “ludista”. Isto é, a defesa de que a técnica ou, ainda, a tecnologia é um mal a não ser apenas evitado, mas destruído, desarticulado. Mas como a técnica se impõe à realidade ao transformá-la, outros são os que se rendem a ela, crendo piamente que ela possui em si mesma um valor. Não obstante, cremos que toda e qualquer novidade, sendo ela tecnológica ou não, deve ser mais bem refletida e disputada (em termos econômicos, políticos e sociais) para daí fazermos uma real transformação social, resultante da síntese coletiva dos diferentes agentes de uma sociedade, como cabe a um corpo político democrático.

A Inteligência Artificial é um fato e, por isso, um dado histórico que não se apaga ou se pode negar. E é certo que ela possui um grande potencial para contribuir com a nossa sociedade. São inúmeras as suas vantagens e possíveis aplicações; com ela, poderemos, num futuro não muito distante, encontrar cura para doenças que hoje não têm solução. Ou, ainda, facilitar a produção de conhecimento, ao traduzir hieroglifos que até então eram incompreensíveis. Entretanto, parece-nos que as discussões da IA não devem se restringir apenas ao reduto da técnica em si. Se o fizermos, estaremos míopes e correndo atrás do próprio rabo.

Tampouco nos parece que o maior problema que ela põe à sociedade seja o comprometimento da formação das pessoas. Como se trata de uma ferramenta, ela pode ser usada para contribuir para o desenvolvimento ou impedi-lo. Cairíamos, então, no debate de forma e sua ética, que é um assunto com grandes proporções e necessita ser trabalhado com urgência.

Não obstante, gostaríamos de refletir sobre outra coisa. Sabemos que, conforme a humanidade evoluía e se desenvolvia, o mundo se transformava. E foi na primeira Revolução Industrial (RI), por volta do século XVIII, que experimentamos o maior salto em termos tecnológicos e de transformação da realidade jamais visto até então. Da primeira até a quarta RI (início do séc. XXI), testemunhamos o advento da tecnologia sobretudo em termos produtivos. Isto é, a produção fabril experimentou uma mudança quantitativa e qualitativa, passando a produzir cada vez mais mercadorias e com mais eficiência do que as gerações passadas.

Junto com esse fenômeno, assistimos quase que passivamente, salvo algumas poucas exceções históricas, à substituição do Ser Humano por máquinas. Conforme as RIs se consolidavam, concomitantemente a elas, cada vez mais postos de trabalho eram substituídos por autômatos. E a promessa de que, junto às revoluções, viria a abertura de novas frentes de trabalho nunca se realizou, ao menos não de forma suficiente que acompanhasse a crescente desocupação da força de trabalho das pessoas.

Essa realidade já nos acompanha por alguns séculos e se perpetuou nas democracias como se fosse algo inevitável, como todo e qualquer fenômeno da natureza. Restando-nos apenas a conformação e a redução desses impactos em governos que se ocupam com o estado de bem-estar social. De fato, essa substituição do Ser Humano por máquinas é uma forma própria da nossa organização social. Portanto, faz-se necessário um olhar mais cuidadoso sobre esse modo de viver que se impôs nos últimos séculos.

O objetivo de uma sociedade como a nossa, capitalista, não é a vida das pessoas, mas a geração de lucros. Ou seja, a produção de mercadorias cada vez mais sofisticada e eficiente não está voltada a atender às necessidades das pessoas. Se assim fosse, não teríamos a destruição de mercadorias não comercializadas, nem sequer existiria a carência de recursos para algumas camadas sociais. Nos primeiros textos de nossa coluna neste ano, falamos sobre a fome e, amparados pelos estudos sobre a realidade, vimos que temos a capacidade de alimentar quase 10 bilhões de pessoas, e mesmo sendo 8 bilhões, temos quase um bilhão passando fome. Ou seja, a produção de alimentos não está voltada para alimentar pessoas, mas para gerar lucro, que, não se realizando, leva à destruição do que foi produzido sem se preocupar com os milhões de famintos espalhados pelo mundo. Isso se aplica a toda e qualquer mercadoria produzida.

O regime capitalista funciona desse modo. O que não é novidade para ninguém, mas, ainda assim, continuamos a viver as nossas vidas como se elas estivessem seguindo uma predestinação divina. Enquanto isso, o desenvolvimento tecnológico se impõe em nossa sociedade, tutelando os interesses de quem possui dinheiro e os meios de produção.

Se o objetivo do capitalismo é a geração de lucro, e sua produção está voltada apenas para tutelar esse objetivo, mesmo que isso signifique condenar milhões à fome e à miséria, não nos é estranho que ocorra, no decorrer do seu desenvolvimento, a substituição da força de trabalho humano por máquinas. Essa substituição poupa ao proprietário dos meios de produção um gasto com salários e direitos trabalhistas, aumentando, portanto, o seu lucro.

Logo, existe uma razão econômica no desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias, e isso explica o aumento de pessoas que tiveram e terão seus postos de trabalho usurpados pelas máquinas.

Mas, diferente das RIs anteriores, a quinta (estamos em um período de transição da quarta para a quinta), que deve se consolidar na próxima década, se servirá das IAs hoje incipientes para inaugurar algo novo. Até a quarta testemunhamos a substituição de Seres Humanos por máquinas naqueles trabalhos mais rudimentares ou manuais. Não à toa, a propaganda bastante difundida em nossas sociedades da necessidade de se investir em formação intelectual e técnica a fim de garantir os melhores postos de trabalho. O que não contávamos é que chegaríamos a esse nível de substituição que hoje se apresenta, ao menos não em tão pouco tempo, em que as máquinas, ou melhor, as IAs ameaçariam substituir trabalhadores superqualificados.

Aqui nos parece estar o maior problema das IAs. Se hoje, quando as IAs ainda estão em seu estágio mais rudimentar, causam uma grande comoção em nossa sociedade. O que virá logo a seguir? Se até hoje testemunhamos não só a substituição da força de trabalho humano por máquinas, mas também a sua precarização, o que restará ao Ser Humano que depende da venda da sua força de trabalho para sobreviver? Os proprietários dos meios de produção, ou seja, das IAs seguirão produzindo cada vez mais com cada vez menos gente, e obtendo maiores lucros, resultando numa maior concentração de renda em nossas sociedades.

Diante dessa realidade, resta-nos, então, a necessidade de repensar a nossa forma de organização social. Se seguirmos nessa lógica capitalista e individualista, parece-nos restar apenas a morte. Ou seja, há que se inaugurar uma nova forma de organizar a vida em nossas democracias para que se inverta os fins dos meios. Se o Ser Humano, que também é natureza, não puxar esse freio de emergência e redirecionar a rota, o futuro não nos poupará.

Frei Paulo Henrique Cintra, OSA
Comissão de Justiça e Paz e Cuidado com a Criação

* Publicação na coluna Pé no Chão do Jornal Inquietude On-line, em julho de 2023.

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