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30
jan/23

A fome não é fake, é fato!

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A Campanha da Fraternidade (CF) deste ano se ocupará com o tema “Fraternidade e Fome”, e o lema será “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). Essa matéria já foi tratada de algum modo em outras duas campanhas. Em 1975, o assunto abordado foi “Fraternidade é Repartir”, com o lema “Repartir o Pão”. Já em 1985, o tema foi “Fraternidade e Fome” e seu lema foi “Pão para quem tem fome”. Como sabemos, campanha da fraternidade sempre se propõe a refletir sobre algum tema importante e de alguma urgência em nossa sociedade. E o assunto da fome é um daqueles tópicos que de algum modo reincidem, diretamente, como os já citados, ou indiretamente, como as campanhas de 1978, 1984, 1991, 1995, dentre outras.

O que nos importa é percebermos que as nossas urgências enquanto sociedade brasileira não são tão novas quanto gostaríamos. Portanto, precisamos amadurecer bastante para superá-las, e a Campanha da Fraternidade refletida neste período quaresmal é uma tentativa de facilitar a resolução desse drama humano e nacional, que vergonhosamente voltou a nos flagelar.

Desse modo, nós nos serviremos da tradicional metodologia latino-americana do Ver, Julgar e Agir para tratar do tema da CF deste ano. E o faremos em três textos; neste, nós nos propomos a trazer alguns dados significativos para melhor compreendermos a dimensão da fome em nosso país.

Em 2019, havia 204,7 mil pessoas em situação de rua, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Hoje, após a pandemia da covid-19, esse número subiu para 281,5 mil. Vale ressaltar que o maior crescimento de pessoas em situação de rua se deu em cidades com até 20 mil habitantes, onde esse aumento chegou a 127% entre 2019 e 2022.

A realidade das nossas crianças e jovens também não é nada animadora. Cerca de 20,3 milhões das crianças até 14 anos, o que corresponde aproximadamente a metade delas, encontravam-se abaixo da linha da pobreza em 2021. Isto é, possuíam menos do que US$ 5 por dia para sobreviverem.

Intensificou-se também o número de jovens enquadrados na categoria estatística que chamamos de “nem-nem”, isto é, nem estudam, nem trabalham. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no mesmo período, em 2021, a quantidade de jovens de 15 a 29 anos nessa categoria chegava a 12,7 milhões de pessoas, isso representa um número superior aos habitantes da cidade de São Paulo. Entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), temos o terceiro maior percentual de “nem-nem”, ficando atrás apenas da África do Sul e da Colômbia.

Outro dado a ser considerado é o de endividamento das pessoas. Segundo a Serasa, o número de brasileiros endividados chegou a 68,4 milhões em 2022; 6 milhões a mais do que em 2021. Um fato agravante é que cerca de 40% dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade, ou seja, ocupam-se com o famoso “bico”. Soma-se a isso o fato de que o rendimento da população mais pobre, em 2021, caiu de R$ 138,00 (em 2020) para R$ 94,00, cerca de 32% a menos. Embora o rendimento de todas as camadas sociais tenha sofrido uma queda, a diminuição da população mais rica no mesmo período caiu cerca de 4,5%. Quando se diz da população mais rica, é preciso ter claro que a referência é de uma renda média de R$ 6 mil, dado que 90% dos brasileiros ganham menos que R$ 3.500,00, e que 29,6% da população vive com uma renda de até R$ 497,00 mensais, o que representa 62,9 milhões de pessoas.

Esses dados apresentados nos servem para entender que o povo brasileiro vem empobrecendo progressivamente e tem enfrentado as consequências da precarização da vida, sem o suporte adequado das ações do Estado. A consequência desses fatores tem reflexo direto na capacidade de as pessoas terem acesso à alimentação suficiente e adequada.

Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN), em sua última pesquisa, no fim de 2020, 19,1 milhões de pessoas conviviam com a fome. Em 2022, são 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer, e 125,2 milhões estão em situação de insegurança alimentar. Ao olhar para a fome, é importante lembrar que cada número representa a vida de uma pessoa.

Os dados retificam a relação direta entre renda e segurança alimentar, uma vez que mais de 90% dos domicílios cuja renda per capita era inferior a um quarto do salário mínimo (SM) possuíam algum grau de insegurança alimentar. Já aqueles com renda maior do que um SM, a segurança alimentar esteve presente em 67% dos domicílios. Vale ressaltar que, nos domicílios com renda inferior a um quarto do SM, a restrição na quantidade de alimentos ocorreu em 71% dos domicílios e, em 43% deles, os moradores vivenciaram a fome.

Não obstante, é preciso que se fique claro que mudanças aparentemente pequenas em percentuais significam milhões de pessoas que passaram a conviver cotidianamente com a falta de comida no prato.

A segurança alimentar só foi maior apenas nos domicílios em que havia responsáveis em situação de trabalho com emprego formal. A realidade de fome, captada pela insegurança alimentar grave, foi maior nos domicílios cuja pessoa de referência estava desempregada ou quando tinha o trabalho agrícola como ocupação. Ou seja, mais de um terço dos domicílios enfrentava a fome e mais da metade tinha a sua situação agravada.

Em um ano e quatro meses, os níveis de insegurança alimentar grave eram de 9% em 2020 e, em abril de 2022, chegou a 15,5%. Isso significa que 14 milhões de pessoas passaram a conviver com a fome. Em abril de 2022, totalizou-se inadmissíveis 33,1 milhões de pessoas famintas em nosso país. Diante da magnitude dessa realidade, das diferentes variáveis e agravantes como: raça, escolaridade, gênero, ocupação, região e sucateamento das políticas públicas, etc., faz-se necessário entender as razões do avanço expressivo desses índices. Para tanto, nós o faremos em nosso próximo texto.

Frei Paulo Henrique Cintra, OSA
Comissão de Justiça e Paz e Cuidado com a Criação

* Publicação na coluna Pé no Chão do Jornal Inquietude On-line, em janeiro de 2023.

Fontes: Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil (Ipea), Síntese de Indicadores Sociais (IBGE), Mapa da Inadimplência e Negociação de Dívidas no Brasil (Serasa) e Pnad Contínua (IBGE), Mapa da Nova Pobreza (FGV Social), Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Rede PENSSAN).

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