O fim do ano nos convida a fortalecer os laços de solidariedade e fraternidade, valores que devem nortear nossas vidas. As festividades que celebramos representam o desejo de união e generosidade que devemos cultivar diariamente. A vivência da fraternidade nos ajuda a reconhecer que todos fazemos parte de uma mesma humanidade e que nossas ações impactam a vida dos outros. A força que nos une nos inspira a superar as diferenças e a construir um mundo mais justo e solidário. Ao cultivar a fraternidade, reconhecemos a importância de cada indivíduo e escolhemos cuidar uns dos outros, especialmente dos mais vulneráveis. A fraternidade é um presente que podemos oferecer e receber, transformando o mundo em um lugar mais humano e acolhedor.
Ao se debruçar profundamente nas Sagradas Escrituras, Santo Agostinho desvenda o mistério da graça divina e da livre vontade em Cristo Jesus. Segundo esse filósofo, “Aquele que, no princípio, criou tudo com sua onipotência vem hoje nos salvar com sua carne. A criação foi o primeiro milagre do seu poder. A redenção foi o segundo prodígio do seu amor.” (Sermão de Santo Agostinho 393,2). A natureza e a humanidade refletem o poder e a criatividade de Deus ao ordenar o cosmos com suas próprias dinâmicas. No entanto, a redenção da humanidade, e de tudo o que foi criado, não se dará por essa mesma força. É preciso compreender que a vida exige uma mudança de nossas próprias atitudes. Essa nova forma de estar no mundo deve ser pautada pelo amor. Ou seja, em um poder transformador que restaura, não pela força, mas pela escolha, pelo desejo de agir de forma diferente diante dos desafios cotidianos.
A história da salvação nos mostra que a humanidade, responsável por desviar a criação do plano divino, também possui o potencial de restaurá-la. “Eva, com sua desobediência, mereceu o castigo. Maria, com sua obediência, obteve a graça, porque ela gerou o Salvador de todos os que creem. Aquele que vive com o Pai e o Espírito Santo, nos séculos dos séculos, Amém!” (Sermão de Santo Agostinho 392,3). Eva e Maria representam duas faces da humanidade: a capacidade de destruir e a possibilidade de reconstruir. Eva, guiada por seus próprios instintos, cedeu aos seus próprios desejos e desencadeou uma série de consequências que afetaram, não somente a sua vida, mas de toda a humanidade. Maria, por sua vez, ao entregar-se ao mistério divino, mesmo sem compreender plenamente o que aconteceria em seu futuro, abriu um caminho para a redenção, não somente para si, mas para todos aqueles que acreditam no seu filho Jesus Cristo.
Assim, ao aceitar ser a mãe do Cristo – o Ungido de Deus –, ela nos proporcionou a oportunidade de renascermos em Jesus Cristo e experimentarmos a vida divina desde a nossas relações interpessoais neste mundo. Através do mesmo Espírito Santo que habitou o ventre de Maria, somos convidados a renovar todas as coisas e a construir um mundo novo e mais fraterno, pois “Jesus Cristo nasceu de uma Virgem, para que nós nasçamos do Espírito Santo.” (Sermão de Santo Agostinho 391,1).
Este é o tempo em que somos chamados a viver: o tempo da escolha! De Eva aprendemos que as nossas escolhas trazem consequências que, nem sempre, somos capazes de levar até o seu fim. Em Maria, entendemos que abraçar o mistério que desconhecemos nos empodera a uma força criadora maior. Esta não se impõe pelo fato de ser uma força divina, mas pelo poder de restaurar-nos através do amor criador. Esse é o convite das festas fraternas do final do ano para que renovemos a nossa fé e esperança de que “seguindo os passos mortais, na humildade de Jesus Cristo, receberemos dele a recompensa eterna.” (Sermão de Santo Agostinho 394,5).
Frei Arthur Vianna Ferreira, OSA
Artigo publicado na coluna Fala Agostinho, do Jornal Inquietude On-line, edição de dezembro de 2024.
Imagem: Freepik
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