Fale com o animador vocacional

Artigos

10
jan/25

Que esperança não engana?

Imagem
Imagem

A Porta Santa do Jubileu do Ano do Senhor de 2025, foi aberta pelo Papa Francisco, na Basílica de São Pedro, em Roma, no Natal de 2024. Conforme salientou o Papa, na Bula de Proclamação, este Ano Santo está em continuidade com os anteriores eventos da graça: o último Jubileu ordinário, que atravessou o limiar dos dois mil anos do nascimento de Jesus Cristo (2000), e o Jubileu extraordinário da Misericórdia (2015). “Agora chegou o momento de um novo Jubileu, para oferecer a experiência viva do amor de Deus, que desperta no coração a esperança segura da salvação em Cristo. Um percurso nos quais a graça de Deus precede e acompanha o povo que caminha zeloso na fé, diligente na caridade e perseverante na esperança (cf. 1Ts 1, 3).”

O tema escolhido para o Jubileu de 2025 é recolhido da Carta do Apóstolo Paulo aos Romanos: “Spes non confundit – A esperança não engana” (Rm 5, 5). A intenção, como indica a Bula, é que a celebração do Jubileu sob o signo da esperança, ajude o cristãos a reencontrar a confiança necessária, tanto na Igreja como na sociedade, no relacionamento interpessoal, nas relações internacionais, na promoção da dignidade de cada pessoa e no respeito pela criação; e que o testemunho crente seja fermento de esperança genuína no mundo, anúncio de novos céus e nova terra (cf. 2Pd 3, 13), onde habite a justiça e a harmonia entre os povos, visando a realização da promessa do Senhor.

A esperança não engana. Mas qual esperança? O que ela significa? Como a humanidade tem compreendido essa tal esperança? Qual o diferencial da esperança na ótica cristã? Neste breve artigo, para início de conversa, vamos indicar algumas pistas que podem ajudar na apropriação desse termo que, mais que um sentimento, aponta para uma atitude diante da vida.

Segundo o filósofo alemão Ernest Bloch (1885-1977), a esperança é “a única condição sincera de todos os seres humanos”[1] e como tal permeia os mais diversos níveis de reflexão. A teologia e piedade cristãs, por exemplo, reconhecem a esperança como “virtude teologal”. De acordo com o pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225–1274) a esperança “tem a natureza de virtude, porque atinge a regra suprema dos atos humanos, como causa primeira eficiente, enquanto eles se apoiam no auxílio dela; e como causa última final, porque espera ter a bem-aventurança eterna, no gozo dela. É claro, pois, que enquanto é virtude, o principal objeto da esperança é Deus. E como a essência da virtude teologal consiste em que tenha Deus por objeto, como já foi dito, é evidente que a esperança é uma virtude teologal.”[2] Contudo, podemos também entendê-la como teologal por ser um dom dispensado pelo próprio Deus. Afinal, é ele “quem opera em nós o querer e o fazer, segundo sua vontade” (Fl 2,13). É ele que nos faz buscar em primeiro lugar, na esperança e por ela, Seu Reino e sua justiça (Mt 6,33).

De fato, como lembrou o Papa Francisco na Bula do Jubileu, “a esperança forma, juntamente com a fé e a caridade, o tríptico das ‘virtudes teologais’, que exprimem a essência da vida cristã (cf. 1 Cor 13, 13; 1 Ts 1, 3). No dinamismo indivisível das três, a esperança é a virtude que imprime, por assim dizer, a orientação, indicando a direção e a finalidade da existência crente.”

No século XX, o tema da esperança ganhou destacada relevância graças à publicação, em três volumes, da obra magna do já citado filósofo alemão Ernest Bloch, intitulada: O Princípio Esperança (1954-1959). Embora se inscreva como produção filosófica, a obra de Bloch influenciou diversos campos de pensamento, desde o político e cultural, ao antropológico e teológico. No que toca à teologia, sua influência destaca-se na obra de Jürgen Moltmann (1926-2024), particularmente em sua Teologia da Esperança (1967).

Para Moltmann, a filosofia da esperança de Ernst Bloch quer ser, no seu cume, uma “meta-religião”, isto é, “religião como herança”. Ele pensa poder demonstrar que o substrato hereditário próprio de todas as religiões é a ‘esperança da totalidade’. Ora, o Cristianismo desde sua primeira hora é esperança. A mensagem da esperança está exatamente no centro da mensagem de Cristo aos homens. Sua mensagem é de esperança; e o objeto dessa espera, conforme a promessa, “são novos céus e nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13).

A esperança cristã, no entanto, configura-se, antes de tudo, como uma esperança ativa. Em vista do futuro prometido, a esperança cristã aplica-se na transformação do presente, entendendo que, na tensão do “já e ainda não”, a vida se descortina como horizonte de possibilidades. Obviamente, como lembrou o teólogo João Batista Libanio (1932-2014), “a esperança cristã pode deixar-se motivar também por valores humanos, conhecidos e vividos no horizonte exclusivo da experiência humana. Mas ela reconhece que tal motivação é intermediária, mas nunca a última e definitiva. Só adquire, em último termo, seu valor de outra motivação: a Transcendência. Move o cristão na sua esperança a certeza da fidelidade, do amor, da promessa de Deus. Podem falhar as motivações humanas imediatas, mas ela resiste a tudo firmada na absoluta credibilidade de Deus.”[3]

De acordo com o teólogo José Comblin (1923-2011), para os cristãos, a esperança “não consiste em esperar no sentido vulgar da palavra: esperar que algo aconteça; a esperança consiste em colocar-se numa disposição e atitude de acolhimento e de receptividade, em orientar-se para o que vem de fora”.[4] Assim a esperança cristã incide no compromisso histórico.

Por isso, conforme disse o Papa, na proclamação do Jubileu, “a comunidade cristã não pode ficar atrás de ninguém no apoio à necessidade duma aliança social em prol da esperança. Todos, na realidade, sentem a necessidade de recuperar a alegria de viver, porque o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26), não pode contentar-se com sobreviver ou ir vivendo nem conformar-se com o tempo presente, satisfazendo-se com realidades apenas materiais.”

A esperança que não decepciona, portanto, é aquela que se opõe à passividade e ao conformismo, e se desdobra em atitude corajosa e confiante, assegurada na fidelidade do amor de Deus que foi manifestado em Cristo, chama viva da nossa esperança.  

Frei Jeferson Felipe da Cruz, OSA
Artigo publicado na coluna Theos, do Jornal Inquietude On-line, edição de janeiro de 2025.

----------------------------------

[1] BLOCH, Ernst. O Princípio Esperança. Volume I. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005, p. 49.

[2] ST II-II, q. 17, a. 5.

[3] LIBANIO, João Batista. Utopia e Esperança cristã. São Paulo: Loyola, 1989, p. 172.

[4] COMBLIN, José. O Espírito Santo e sua missão. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 241

+ Mapa do Site

Política de Privacidade
Cúria Provincial Agostiniana Rua Mato Grosso, 936, Santo Agostinho Belo Horizonte - MG, 30190-085 +55 (31) 2125-6879 comunicacao@agostinianos.org.br

Fique por dentro de tudo o que acontece na Província. Cadastre seu e-mail para receber nossa Newsletter.