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out/24

Onde há fumaça, há negacionismo!

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Nas últimas semanas, fomos sufocados pela fumaça oriunda das queimadas dos nossos biomas. Essa fumaça, responsável pelo agravamento da qualidade do ar que respiramos, nos fez recobrar o velho aroma da pandemia ao nos obrigarmos ao não tão antigo costume de vestir as nossas máscaras. Excetuando o Nordeste, as demais regiões chegaram a ter cidades que foram ranqueadas entre as piores em qualidade do ar do mundo. Esse fenômeno deixa marca, não simplesmente pintando o sol de laranja, ou o céu de cinza.

No início de setembro, toda a América Latina sofria com o avanço das queimadas, e o Brasil foi o campeão em focos de incêndio, representando três quartos do total de áreas queimadas no continente1. Esse episódio, infelizmente, não é incomum, visto que cerca de um quarto de nosso território pegou fogo ao menos uma vez nos últimos quarenta anos2

Esses incêndios não podem ser combatidos apenas de forma reativa. É importante assumir conscientemente a pauta ambiental em todos os âmbitos de nossa sociedade, sobretudo no modo de se fazer política pública. O Brasil tem, diante desse e de outros tristes incidentes, a oportunidade e obrigação de adotar uma agenda verdadeiramente agroecológica, deixando a ineficaz prática de combate ao fogo, para adotar estratégias para mitigá-lo completamente.

É de conhecimento de todos que a maioria dos focos de queimada é de origem antrópica. Dada a dificuldade de se identificar, salvo alguns flagrantes, os incêndios, em sua maioria, não são identificados, dificultando a sua responsabilização. Não obstante, há muitas evidências de que existem algumas ações coordenadas pelo crime organizado na propagação das queimadas nos últimos anos, o que dificulta ainda mais a resposta do Estado3.

Outro agravante é o método de que o agronegócio se serve para expandir a sua atividade. Habitualmente, o fogo é usado para a expansão de pastagem e lavoura sobre a vegetação natural em terras públicas, áreas de conservação, em territórios indígenas e de populações tradicionais.

Essa prática é absurda em vários sentidos. Primeiro, por causa da expansão criminosa das terras agricultáveis nas áreas de conservação e territórios de diferentes etnias. Segundo, porque essa prática é a mais poluente de nosso país, responsável por emitir a maior concentração em termos absolutos de gases de efeito estufa (GEE) de nossa atividade econômica. Terceiro, temos a destruição da nossa biodiversidade em sua riqueza de fauna, flora e funga. Quarto, é a contradição explícita da expansão da atividade do agronegócio enquanto o Brasil conta com quase 150 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade e improdutivas4.

Isso posto, combater as queimadas e a destruição dos nossos biomas é uma tarefa coletiva e inadiável. Para tanto, só podemos impedir o agravamento das mudanças climáticas quando formos capazes de impor uma mudança radical no nosso modo de produção e nossa relação com a terra. Sobretudo, porque, ao longo de nossa história, fomos reduzidos a uma economia de exploração e exportação de commodities, que enriquecem alguns e que pouco contribuem para a receita tributária e na criação de empregos.  O avanço do fogo, do pasto e das lavouras na Amazônia, no Pantanal, e nas demais áreas de floresta tropical, é um dos sintomas da nossa falência enquanto civilização. Bota-se fogo, não porque há uma desinformação, o fósforo é aceso pela negação da realidade, ou melhor, pela conservação dela5.

O negacionismo apenas produz morte e atenta contra ele mesmo. Ao comprometer o delicado equilíbrio dos diferentes biomas, compromete-se também a própria atividade agropecuária; visto que ela depende integralmente dos ciclos das águas, da fertilização do solo e das condições de temperatura. Enquanto houver negacionismo, a vida será ameaçada; e o futuro, comprometido.

Frei Paulo Henrique Cintra, OSA
Comissão Provincial de Justiça e Paz e Cuidado com a Criação

Imagem de capa: Freepik


1 - Cf. Ministério da Agricultura e Pecuária.

2 - O latifúndio, a concentração de renda e os privilégios públicos (Plano safra, perdão de dívidas bilionárias) também são exemplos da nossa falência civilizatória.

3 - Cf. https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ultima-hora/pais/brasil-concentra-76-de-areas-afetadas-por-incendios-de-queimadas-em-toda-a-america-latina-1.3556563

4 - Cf. https://brasil.mapbiomas.org/2024/06/18/um-em-cada-quatro-hectares-do-brasil-pegou-fogo-nas-ultimas-quatro-decadas/

5 - Cf. https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/09/09/policia-federal-ja-abriu-52-inqueritos-sobre-incendios-pelo-brasil.ghtml

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