Você se recorda do último livro de literatura que você leu?
Literatura tem sua origem na língua latina, littera (letra). Trata-se de uma das manifestações artísticas do ser humano, junto com outras, tais como a música, a dança, o teatro, a escultura, a arquitetura. É uma forma de comunicação, um produto da linguagem, em que está envolvida a criatividade: a literatura é, podemos dizer, a “arte das palavras”. O texto literário narra fatos, eventos, sentimentos, ideias, que podem ser reais ou fictícios. Entre as obras literárias encontramos o livro, o conto, a novela, o poema, o ensaio. O texto literário não tem, necessariamente, uma utilidade prática, pois ele não foi criado para isso. Na verdade, é o leitor ou a leitora que, a partir de sua reflexão, emoção ou entretenimento, lhe dá uma função.
Recentemente o Papa Francisco publicou uma Carta sobre o Papel da Literatura na Educação. Entre outras coisas, Francisco diz: “Uma obra literária é um texto vivo e sempre fértil, capaz de falar de novo e de muitas maneiras, capaz de produzir uma síntese original com cada leitor que encontra. Este, enquanto lê, enriquece-se com o que recebe do autor, mas isso permite-lhe, ao mesmo tempo, fazer desabrochar a riqueza da sua própria pessoa, pois cada nova obra que lê renova e expande o seu universo pessoal”.
Prossegue o Papa: “De uma forma ou de outra, a literatura tem a ver com o que cada um de nós deseja da vida (...) Afinal, o coração procura mais e, na literatura, cada um encontra o seu próprio caminho”. Segundo ele, a literatura dialoga com a fé, a cultura, as ciências; permite “ouvir a voz de alguém”, reúne “companheiros de viagem”, é “uma espécie de ginásio de discernimento”, o “estômago da alma”. Por ela se pode “ver através dos olhos dos outros”, além de ela possuir um enorme “poder espiritual”.
A literatura encantou Santo Agostinho desde sua juventude.
O primeiro biógrafo de Santo Agostinho, seu amigo e irmão de comunidade, São Possídio, ao escrever a Vita Augustini, nela incluiu um índice de suas obras. Tal iniciativa prestou um enorme serviço à posteridade, na medida em que transmitiu, em primeira mão, uma lista autorizada dos escritos autênticos de Santo Agostinho.
No final dessa Biografia de Agostinho, ele cita um poeta pagão desconhecido: “Viajante, não sabes que o poeta pode viver além da sepultura? Aí estás e lês este verso: sou eu que falo, portanto. Ao leres em voz alta esta obra, tua voz é a minha”. Ao citar o poeta, Possídio indicava que a obra de seu amigo Agostinho se perpetuaria, seria lida, copiada e reproduzida por inteiras gerações. De fato, ela atravessou os séculos e ainda hoje inspira escritores contemporâneos. Sua obra é universal, porque toca os corações, ilumina as mentes, aponta caminhos. Agostinho criou, dessa forma, redes de relações entre tempos e culturas, destacando-se como um dos autores mais lidos dentro da literatura mundial.
O menino Aurelius Augustinus (“meu pequeno Augusto”, como o chamava sua mãe, Santa Mônica) não gostava da escola primária, porque era monótona, repetitiva, enfadonha... quatro anos memorizando declinações do latim, copiando textos, o menino irrequieto detestava tudo isso. Não poucas vezes recebeu umas bordoadas para aprender as lições, além de ter dificuldades com a língua grega.
Mas a coisa mudou quando ele começou a escola média. Ler os clássicos latinos e gregos despertou o seu talento para a literatura, a poesia, a oratória e a escrita. Ele começou a participar de certames literários e ganhou os louros do primeiro lugar em vários deles. Ainda adolescente, ele lê um livro de Cícero, o Hortensius, que acendeu em sua alma o desejo de buscar a sabedoria. Nessa época, ele desdenhou a leitura da Bíblia, porque achava seus textos histórias de crianças, de velhos e beatas. Ele considerava esses textos que, na verdade não tinham uma boa tradução, como inferiores à literatura dos clássicos.
Infelizmente, seus primeiros escritos, uma coletânea de poemas e o livro Sobre o Belo e o Útil se perderam. Mas mais de 130 livros chegaram até nós. No processo de sua conversão, ele ia escutar o bispo Ambrósio, em Milão, que tinha uma oratória renomada. Por essa época ele retomou a leitura da Bíblia, agora com textos traduzidos num latim refinado. E as Escrituras cristãs – um clássico da literatura mundial – começaram a fazer efeito em sua alma. Muitas obras de Agostinho são comentários às sagradas letras.
Em sua carta, o Papa ainda diz: “À medida que sentimos vestígios do nosso mundo interior no meio dessas histórias, tornamo-nos mais sensíveis às experiências dos outros, saímos de nós próprios para entrar nas suas profundezas, conseguimos compreender um pouco mais suas lutas e desejos, vemos a realidade com os seus olhos e acabamos por nos tornar companheiros de viagem”.
Por meio das obras de Agostinho podemos nós, hoje, conhecer-nos melhor, entrando no mais profundo de nós, onde habita a Verdade, o Mestre interior, Jesus. Com suas reflexões, ele nos ensina a compreender o ser humano. Ele nos conduz ao coração do mundo. Ele se torna, enfim, um “companheiro de viagem”.
Então, qual será o próximo livro de literatura que você vai ler?
Frei Luiz Antônio Pinheiro, OSA
Prior Provincial
Artigo publicado na coluna Reflexão, do Jornal Inquietude On-line, edição de agosto de 2024.