Donatismo é o nome dado ao movimento cismático na Igreja Norte-africana entre 308 e 311. A divisão preocupou Santo Agostinho durante grande parte de seu episcopado e ainda não estava completamente resolvida no tempo de sua morte, em 430. Donatistas e católicos tinham compreensões discordantes acerca da natureza da Igreja. A tradição cristã africana dava grande importância à separação da Igreja do mundo, e se comprazia em delimitar firmemente o espaço eclesial, dentro do qual estava a esfera da pureza da santidade, separada do mundo do pecado e da corrupção. A Igreja era uma sociedade alternativa do "mundo", o refúgio dos santos: a santidade estava nela; fora, havia o mundo regido por poderes hostis, demoníacos. Nenhuma sobreposição era possível: "mundo" e "Igreja" se excluíam mutuamente. [1]
Passados 17 séculos, acompanhamos o surgimento, senão, o já desenvolvimento de um neodonatismo em nossas comunidades eclesiais. Certamente todos já nos deparamos com expressões como: “a verdadeira Igreja Católica”, “a CNBB não me representa”, “resgatar a bimilenar Tradição da Igreja”, “formar uma nova geração de católicos”. Perfis e instituições como o Centro Dom Bosco são hoje, no Brasil, a expressão mais eloquente de uma posição ultraconservadora e reacionária ao processo de renovação eclesiológica provocado pelo Concílio Vaticano II. Há, novamente, compreensões (ou incompreensões?) conflitantes sobre a natureza da Igreja. O que é a Igreja? Somos Igreja? Que Igreja desejamos ser? Igreja em saída? Sinodal? Servidora? Enlameada? Acidentada? Daí decorrem os muitos desafios e impactos em nosso labor pastoral, seja nos centros educativos, seja nas paróquias, seja nas casas de formação.
Ora, num contexto marcadamente cismático, parece até utopia falar de unidade da Igreja. E talvez seja utopia mesmo! A questão não está longe de nós, bate à nossa porta. É possível falar em unidade na Ordem? E na Província? E nas nossas comunidades? A unidade é mesmo uma utopia, um “não-lugar”! Desejamos habitá-lo? Até reconhecemos a unidade como um valor, mas talvez apenas nas nossas cabeças. Esse discurso parece não ter encontrado ainda o caminho do nosso coração, não foi feito decisão nossa. O coração sofre de isquemia. É necessária uma nova evangelização, não apenas do mundo, das periferias (geográficas e existenciais), mas da nossa sensibilidade. É preciso “efetuar aquela mudança que a tradição ascética cristã chama com o nome de conversão e que, jamais, pode ser verdadeira se não comporta um trabalho radical naquele rico e complexo mundo interior que é, precisamente, a sensibilidade”[2]. Nossos dias pedem conversão! Agostinianos que tentamos ser, movidos pela utopia da unidade – uma só alma e um só coração –, poderíamos nos inspirar mais em Agostinho, mestre das conversões!
Frei Tailer Douglas Ferreira, OSA
- Artigo publicado na coluna Theos, do Jornal Inquietude On-line, edição de junho de 2024.
[1] Cf. FITZGERALD, Allan. Agostinho através dos tempos: uma enciclopédia. São Paulo: Paulus, 2018, p. 354-356.
[2] CENCINI, Amedeo. Os passos do discernimento. São Paulo: Paulinas, 2022, p. 21.